Folha de S. Paulo


Hal Foster fala sobre a nova arquitetura

RESUMO Em livro lançado originalmente em 2011, que chega ao Brasil, o historiador e crítico identifica uma nova configuração da arquitetura, que chama de "estilo global". Renzo Piano e Norman Foster, entre outros, representam esse novo paradigma, marcado pelo uso de vidros e de formas que expressariam um "cosmopolitismo banal".

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Quando, no ano passado, foi inaugurado o mais novo museu de Frank Gehry, a Fundação Louis Vuitton, em Paris, críticos não demoraram a comparar o amontoado de concreto e vidro no meio do Bois de Boulogne a um transatlântico encalhado no bosque ou a um frasco de perfume estilhaçado.

Do outro lado do Atlântico, Nova York ainda digere o espetáculo das formas transparentes do novo museu Whitney, uma enorme caixa vítrea com vista para o rio Hudson construída por Renzo Piano e inaugurada em maio, no meio da temporada de leilões que agitou a maior metrópole americana.

Gehry e Piano, mais uma vez sob os holofotes, são personagens centrais de "O Complexo Arte-Arquitetura" [trad. Célia Euvaldo, Cosac Naify, 288 págs., R$ 59,90], do crítico americano Hal Foster, cuja tradução sai no país na ressaca das festas em Paris e Nova York.

É uma coincidência que ilustra bem o ataque de Foster ao que chama de "empreendimento ardiloso" na construção de museus de arte. "Alguns desses edifícios são tão performáticos ou escultóricos que os próprios artistas devem se sentir os últimos a chegar à festa", escreve o autor.

O livro recém-lançado documenta uma mudança de paradigma na história da arquitetura. No lugar do estilo internacional de Walter Gropius, Le Corbusier e Mies van der Rohe, Foster descreve um suposto estilo global, tendência que deixou de tomar partido da teoria para se alimentar das artes visuais, com obras calcadas no efeito cenográfico dos materiais. Renzo Piano, Norman Foster e Richard Rogers são heróis improváveis dessa nova era.

Por telefone, de sua casa em Nova York, Hal Foster deu à Folha esta entrevista. Leia os principais trechos da conversa.

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Folha - Como você define o estilo global das últimas décadas?

Hal Foster - "Estilo global" é uma brincadeira com "estilo internacional". A arquitetura moderna desenvolveu uma linguagem internacional; agora existe uma linguagem que pode ser compreendida como global. É a das firmas como a de Norman Foster, que têm alcance mundial. Elas não constroem só prédios culturais e comerciais. Também desenvolvem projetos de infraestrutura que vão além da cidade e causam impacto regional.

Por que Renzo Piano, Norman Foster e Richard Rogers seriam os pontas de lança desse estilo?

Na minha opinião, os três impulsionaram a arquitetura moderna em direção ao presente pela maneira como abraçaram novas tecnologias e materiais, criando formas novas que possam ser entendidas em qualquer lugar. Eles adotaram um idioma tecnocrático, e, no caso de Rogers, uma linguagem pop mesmo, pelo uso que faz das cores.

Tenho a sensação de que eles representam um novo estágio da modernidade na arquitetura e no urbanismo. Isso vai muito além da modernidade industrial.

Arcaid/UIG/Getty Images
O Centro Cultural Tjibaou, de Renzo Piano, em Nouméa, na Nova Caledônia
O Centro Cultural Tjibaou, de Renzo Piano, em Nouméa, na Nova Caledônia

O que descreve não poderia ser entendido como pós-modernidade?

Na arquitetura, o pós-moderno foi só uma reação à arquitetura moderna, uma tentativa de voltar a usar imagens e símbolos. Vejo que eles foram influenciados em algum grau por isso, mas creio que foram além daquele momento.

O simbolismo deles é abstrato e estranho. É mais um simbolismo ligado à tecnologia e a construções luminosas para ilustrar o que seria a modernidade agora, e essa é uma ideia muito forte na obra do Piano, por exemplo.

São essas formas transparentes, de aspecto modernoso, o que você define como cosmopolitismo banal?

O que eu chamo de cosmopolitismo banal é um aspecto que ressoa na obra desses arquitetos. É uma referência ao uso de símbolos e imagens. A ideia de transparência foi muito importante ao longo do século 20 e fazia sentido na tentativa de expor como funciona uma máquina, mas a transparência de agora não tem o mesmo valor democrático. São construções de aço e vidro que parecem abertas e transparentes, mas não sabemos como são construídas porque surgem de softwares digitais.

Os arquitetos de hoje não usam símbolos, mas imaginam uma modernidade em que bens, serviços e pessoas transitam de modo livre entre cidades, Estados e regiões, mas é claro que isso nem sempre acontece. Vivemos um momento em que algumas pessoas conseguem se mexer e circular, enquanto outras não podem sair do lugar. O simbolismo abstrato que passam com sua arquitetura é o de que tudo parece ser entendido à luz da globalização, e isso só pode ser representado de forma banal.

Que projeto novo ilustra essa ideia?

No livro, cito o prédio de Renzo Piano para Hermès em Tóquio. É um lindo borrão, um mundo flutuante e transparente, que faz referência a alguns aspectos da cultura japonesa, mas o faz nessa linguagem globalizada em que tudo resulta banal.

Outro exemplo é um centro cultural que Piano construiu na Nova Caledônia, em que ele tenta fazer uma citação visual da arquitetura das cabanas rústicas do Pacífico, mas é a ideia estilizada de cabana que pode ser reconhecida em qualquer lugar. É uma imagem cosmopolita e banal ao mesmo tempo, criada para evocar um lugar específico e, ao mesmo tempo, circular pelo mundo todo.

O mesmo acontece com o desenho de I. M. Pei para um museu de arte islâmica em Doha, que seria baseado numa mesquita. São estereótipos de uma cultura popular.

Mas essa arquitetura performática não foi em grande parte sepultada após a crise econômica mundial?

Mesmo antes, muitos achávamos que o 11 de Setembro marcaria o fim dessa arquitetura do espetáculo, usada como logotipo ou emblema para uma cidade ou nação. Porém, assim como as Bolsas foram preservadas, resgatadas mesmo, esse tipo de arquitetura também sofreu um resgate, sobreviveu. Parou só por um instante.

Em Nova York, já vemos o ressurgimento de toda essa retórica em torno da reconstrução do Marco Zero, o local das Torres Gêmeas. Parecia ter havido uma mudança nessa lógica, mas agora falamos em fazer tudo maior, atingir uma altura ainda mais impressionante.

Eye Ubiquitous/UIG/Getty Images
Prédio da Hermès, de Renzo Piano, em Tóquio
Prédio da Hermès, de Renzo Piano, em Tóquio

Santiago Calatrava é uma figura controversa da era dos "starchitects" e está à frente de obras importantes no Marco Zero. Como vê seus projetos para Nova York?

Ele é um bom exemplo dessa imagética banal e cosmopolita. Criou uma estação de trem com um par de asas tentando passar a ideia de graça, de redenção, mas acho isso muito estúpido.

O problema agora, em cidades como Nova York e Londres, é o uso da arquitetura só para gerar lucro. Estão construindo prédios residenciais e comerciais para vender para oligarcas russos e árabes. São projetos que se tornam depósitos de dinheiro. Há prédios grandiosos no centro de Manhattan que não são ocupados nem pela metade. Enquanto parecem adensar o tecido urbano, o que é sempre bom, esses prédios estão esvaziando essas áreas. São só fachadas para a circulação de capital.

Como se deu a transição do período em que arquitetos partiam da teoria, no auge do modernismo, à situação atual, em que miram a arte?

Na geração passada, os arquitetos estavam olhando para as teorias, como a arquitetura desconstrutivista, que nasceu com os escritos de Jacques Derrida. Depois vieram Zaha Hadid, Herzog & de Meuron, e a inspiração passou a ser a arte –que, no caso, vem sendo usada só em termos de imagem.

Quando Zaha Hadid, por exemplo, tenta fazer referências ao suprematismo e ao construtivismo, vanguardas do início do século 20, faz daquilo uma linguagem espetacular, de linhas e curvas cheias de velocidade. Ela não é fiel à essência dessas vanguardas.

O mesmo ocorre nos projetos da dupla Herzog & de Meuron, só que com o minimalismo. Enquanto o minimalismo na arte enfatiza a reação do corpo do espectador, uma tentativa de reavivar a percepção, o minimalismo na arquitetura deles não passa de efeito visual, não tem a ver com o corpo.

É sempre problemática a leitura da arte feita pelos arquitetos atuais?

Acredito que o uso da arte pelos arquitetos é um problema, leva a uma caricatura das obras. Meu livro é uma crítica a esse mau uso da arte na arquitetura e à obsessão em juntar arte e arquitetura em projetos feitos só para chamar a atenção, para provocar ou parecer performáticos.

Mas você elogia o movimento contrário, quando artistas migram para a esfera da arquitetura.

Houve um momento, há uns 50 anos, em que artistas, em especial aqueles interessados em escultura, trocaram a ideia de objeto pela ideia de espaço, reposicionando a escultura em relação à arquitetura. Um exemplo óbvio é Richard Serra. O movimento da arte para a arquitetura foi positivo, mas há também artistas que tratam a arquitetura como mero pano de fundo e jogam de qualquer jeito uma obra num determinado contexto, como se isso bastasse.

Leia crítica do livro de Hal Foster.

SILAS MARTÍ, 31, é repórter da Folha.


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