Folha de S. Paulo


Hollywood presta atenção a espectadores mais velhos

Uma pesquisa sobre os filmes mais recentes e as próximas atrações revela, como sempre, dose pesada de sexo, drogas e rock'n'roll. O que é menos comum é o número de pessoas com mais de 70 anos envolvidas com sexo, drogas e rock'n'roll.

O envelhecimento dos Estados Unidos vem sendo refletido nas telas de cinema, ainda que talvez não de maneiras que ameacem a ordem estabelecida. Os produtores de "Vingadores: Era de Ultron" não perderão o sono por conta de "5 Flights Up", estrelado por Diane Keaton e Morgan Freeman, ou pelo filme sueco "The 100-Year-Old Man Who Climbed Out the Window and Disappeared", e nem mesmo por "Não Olhe para Trás", sobre um roqueiro envelhecido interpretado por Al Pacino, ainda que o filme tenha sido o maior sucesso de Pacino nas bilheterias em um bom tempo.

Divulgação
Judi Dench e Celia Imrie em
Judi Dench (à dir.) em "O Exótico Hotel Marigold 2"

Mas mesmo no universo dos filmes da Marvel, há placas tectônicas se movimentando. A audiência para o primeiro filme dos Vingadores se dividia igualmente entre a crucial faixa etária abaixo dos 25 anos e os espectadores mais velhos, mas a de "Ultron" registra 59% de espectadores com mais de 25 anos.

Isso pode ter a ver com a perda de interesse dos jovens por ir ao cinema, mas de qualquer maneira "é uma imensa virada", diz Tom Brueggemann, veterano do setor de salas de cinema e antigo comprador de filmes para distribuição, que escreve para o blog Thompson on Hollywood. "Ainda que continue a ser menos risco para um executivo de estúdio aprovar um filme de US$ 150 milhões do que três filmes de US$ 40 milhões" quando os três filmes de orçamento mais baixo se dirigem a audiências mais estreitas e mais maduras.

Ao mesmo tempo, a maneira pela qual o cinema norte-americano trata as pessoas mais velhas vem mudando. No ano passado, Bill Murray interpretou um mala da terceira idade em "Um Santo Vizinho", John Lithgow e Alfred Molina formaram um casal gay idoso em "O Amor É Estranho" e "Land Ho!" envolvia dois cunhados sessentões tentando recuperar a juventude. Se Michael Keaton, 63, tivesse conquistado um Oscar este ano, ele seria o segundo ator mais velho a receber o prêmio (depois de Henry Fonda), em um filme ("Birdman") que fala de envelhecer, de arrependimento e de renovação. Os altamente lucrativos filmes da série "Os Mercenários" celebram heróis de ação envelhecidos, acima de tudo por ainda mostrarem disposição de aparecer.

Mas são os filmes independentes, estrangeiros e especializados que mostram o maior impacto da geração baby boom (os norte-americanos nascidos entre 1946 e 1964).

"A geração mais velha é um público chave para os filmes independentes", disse Michael Barker, copresidente da Sony Picture Classics, que em agosto lançará "Grandma", estrelado por Lily Tomlin, e no ano passado distribuiu "O Amor É Estranho" e "Land Ho!". "Eles são umpúblico com quem se pode sempre contar".

Quando sua companhia lançou "Amor", ganhador de um Oscar em 2012, "apareceram muitos pessimistas afirmando que a audiência mais velha não curtiria o filme. Mas foram eles que mais gostaram".

"Acredito que haja um par de coisas acontecendo", prosseguiu Barker. "Primeiro, o público mais velho está indo ao cinema. Segundo, ele está curtindo histórias sobre as coisas pelas quais está passando. Creio que o público mais jovens tem medo disso".

Em "Grandma", Tomlin interpreta uma poeta, inspirada por Adrienne Rich, que tem uma neta grávida e uma péssima atitude quanto ao novo mundo. "Mita Tova", que estreia em 22 de maio, é uma comédia israelense de humor negro sobre uma mistura entre aposentados e incentivadores da eutanásia. E há "Hello, My Name is Doris", que deve chegar aos cinemas em 2016, com Sally Field interpretando uma mulher idosa e reclusa cujas excentricidades a tornam uma figura admirada pelos jovens.

"Não é como se tivéssemos decidido que era preciso embarcar nesse trem", disse Michael Showalter, roteirista e codiretor de "Doris". "Mas tínhamos uma personagem sobre a qual estávamos escrevendo, e por acaso era uma mulher de certa idade. Na verdade, o que pensamos é que seria difícil produzir esse filme. Não fomos antenados a ponto de escrever pensando em uma categoria demográfica especial".

Mas a categoria demográfica se fez sentir, especialmente por meio de "O Exótico Hotel Marigold" (2012), um filme britânico que arrecadou notáveis US$ 46 milhões nas bilheterias dos Estados Unidos e o dobro desse valor internacionalmente, e custou apenas cerca de US$ 10 milhões, de acordo com o site Box Office Mojo.

O sucesso não foi uma surpresa completa: Judi Dench é uma atriz sempre popular, e Maggie Smith e Penelope Wilton eram favoritas dos espectadores da série "Downtown Abbey"; o filme saiu primeiro no exterior, o que permitiu que chegasse aos Estados Unidos como sucesso já estabelecido. E havia uma subtrama romântica envolvendo pessoas mais jovens –como uma espécie de apólice de seguro.

Agora a condição de ser um adulto de idade avançada está sendo aceita de forma mais aberta. Em "I'll See You In My Dreams", que este ano causou grande impacto no festival Sundance, normalmente obcecado com a juventude, Blythe Danner estrela como professora aposentada que subitamente tem de enfrentar as atenções rivais de seu jovem limpador de piscina (Martin Starr) e de um sedutor homem de sua idade (Sam Elliott). É um filme à primeira vista fofo, mas que também fala da aproximação da morte e da durabilidade do amor.

"Grandma" define o personagem título por sua idade, e Tomlin se mostra uma avó tão ressentida quanto possível de sua condição de idosa. O que não significa que sua personagem não vá ressoar entre os espectadores.
Não é como se os filmes tivessem algum dia deixado de exibir personagens maduros, mas os problemas de envelhecer raramente foram tema de roteiros, como são agora.

A geração baby boom chegou a uma idade na qual precisa compreender que "você vai se esvair, desaparecer, perder sua beleza e terá de encarar a mortalidade", diz Thom Gencarelli, 55, diretor do departamento de comunicações do Manhattan College e editor, com Brian Cogan, do livro "Baby Boomers and Popular Culture" (ed. Greenwood).

Ainda assim, ele diz, "quando as pessoas deixam para trás a paixão da adolescência e da juventude, e a versão Hollywood da vida, não creio que se interessem por algo que não fale sobre a realidade. E quem está produzindo esse tipo de filme? Sim, isso é feito com a ajuda de um monte de estrategistas e comitês, mas de onde vêm as ideias, para começar? Os filmes que essas pessoas fazem necessariamente falam de coisas que as interessam como realizadores".

E mesmo os realizadores de filmes envelhecem a cada dia.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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