Folha de S. Paulo


Diário de Paris - Le Corbusier, o ambíguo

O cinquentenário de morte de Le Corbusier (1887-1965) inspira programas de TV e exposições laudatórias em torno do arquiteto, como a que o Centro Pompidou lhe dedica até 3/8.

Mais afastados do panegírico estão três livros cujo lançamento coincide com a efeméride. "Une Froide Vision du Monde" (Uma visão fria do mundo), de Marc Perelman, "Un Fascisme Français" (Um fascismo francês), de Xavier de Jarcy, e "Un Corbusier", de François Chaslin, questionam os serviços prestados pelo arquiteto a regimes autoritários, de Moscou (sob Stálin) a Vichy (governo colaboracionista francês), passando pela Roma mussoliniana.

Benoit Tessier/Reuters
Criações do arquiteto na exposição
Criações do arquiteto na exposição "Le Corbusier: As Medidas do Homem" no Centre Pompidou

Chaslin, comedido, sugere que a "miopia" do personagem seria produto mais de ganância do que de alinhamento ideológico –mesmo que, grande entusiasta da ordem e da padronização, ele não estivesse muito distante do programa fascista.

Perelman é mais virulento: ao "Le Monde" diz que, além de escrever para publicações de extrema direita, "na maioria antissemitas", Le Corbusier fez de sua arquitetura uma encarnação do "diktat" nazifascista da banalização do corpo. De sua prancheta teriam saído cárceres de concreto e vidro, onde os homens virariam "um corpo único controlado pela tecnologia do edifício moderno, uma massa de modelar nas mãos do arquiteto demiurgo e fascista".

PROFISSÃO: CINEASTA

A Cinemateca Francesa abriga até 19/7 a exposição "Antonioni, nas Origens do Pop".

O recorte sugerido pelo título não vai muito além, entretanto, de menções ao retrato ambíguo (glamour/vacuidade) da moda e da publicidade em "Blow-up - Depois daquele Beijo" (1966) –em diálogo estrito com temas-fetiche da arte pop– e ao uso do rock psicodélico nas trilhas deste e de "Zabriskie Point" (1970).

O que a curadoria propõe de fato é um percurso cronológico da carreira do italiano. Ali, mais interessante do que tentar esgotar o copioso conjunto de fotos, cartazes, críticas, excertos de roteiros e cartas, é se concentrar na dezena de quadros selecionada para explicitar a ascendência pictórica sobre a filmografia dele.

O tempo em suspensão em De Chirico, a crítica ao solapamento da escala humana pela industrial em Burri e a virtual indistinção das massas de cor em Rothko como tradução da dissolução de parâmetros morais: são todos motivos que o cineasta morto em 2007 incorporaria à sua paleta.

'VAQUINHA' OLÍMPICA

Pré-candidata a sede da Olimpíada de 2024, a capital francesa aposta no "crowdfunding" para cobrir parte dos gastos de campanha, estimados entre 60 e 80 milhões de euros (R$ 205 milhões e R$ 273 milhões).

A largada da "vaquinha" virtual deve acontecer em setembro. Conforme o valor doado, o mecenas ganhará desde um reles bracelete nas cores da bandeira nacional até uma vaga no revezamento dos portadores da tocha olímpica –se a cidade se sagrar vencedora.

Sede dos Jogos de 1900 e 1924, Paris foi preterida para as edições de 1992, 2008 e 2012. Roma, Hamburgo e Boston são algumas das adversárias da vez. Em caso de vitória, os franceses preveem gastar 6,2 bilhões de euros (R$ 21 bilhões) –cifra que inspira ceticismo, dado o histórico de Londres (cerca de R$ 41 bilhões) e Pequim (entre R$ 109 e R$ 130 bilhões, segundo a fonte).

TODOS (NÃO) ESTÃO SURDOS

A temporada da peça "Filhos do Silêncio" na Comédie Française, encerrada na semana passada, foi marcada por um protesto "sui generis". Na estreia, 50 surdos se reuniram à entrada do teatro para brandir cartazes e distribuir panfletos com as inscrições "segregação no trabalho" e "o pior surdo é o que não quer ouvir".

Isso porque o espetáculo, apesar de ambientado em uma escola para surdos, não emprega nem sequer um ator com deficiência auditiva –é aparentemente a primeira vez que isso acontece desde a première do texto do americano Mark Medoff, em 1980. O autor abriu exceção para a prestigiosa companhia estatal francesa, que só escala intérpretes de seu elenco fixo.

Em resposta ao queixume, a Comédie informou que os atores tiveram aulas de linguagem de sinais durante quase um ano e que a montagem ajuda a aproximar do público o cotidiano dos surdos.

LUCAS NEVES, 31, é jornalista.


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