Folha de S. Paulo


Diário de Berlim - Ocupação, reparação e a cadeira de Heidegger

Em plena campanha para tentar escapar da bancarrota, a Grécia acaba de exigir da Alemanha 279 bilhões de euros de reparações de guerra e, com isto, deslanchou aqui uma nova "querela dos historiadores". Enquanto parte deles apoia o governo Merkel, que vem se recusando a tratar do assunto, a maioria declara-se indignada.

Para o governo alemão, as reparações já foram pagas e reguladas em tratados internacionais gerais. Ele teme que o caso possa abrir um precedente e atrair novos pedidos.

Esta também é a posição do historiador Götz Aly, que põe lenha na fogueira ao reivindicar que a Grécia abra seus arquivos para um estudo aprofundado sobre antissemitismo e colaboracionismo nos tempos da ocupação (1941-1945).

Mas a maioria dos especialistas critica a recusa de Merkel e pede um debate entre historiadores gregos e alemães. Eles dizem tratar-se de uma questão moral, já que em nenhum país a ocupação nazista foi tão pouco investigada como na Grécia, onde dezenas de milhares de pessoas foram mortas nas guerrilhas e 1.700 vilarejos, destruídos.

Consensual é que o debate aconteça fora das discussões sobre a grave crise financeira da Grécia. O dinheiro deve fluir para as vítimas, e não para o premiê Alexis Tsipras.

GRASS

Entre as muitas homenagens prestadas ao escritor Günter Grass, morto em 13 de abril, os cadernos culturais alemães destacaram a última entrevista do autor de "O Tambor", concedida em 21 de março ao diário espanhol "El País".

Ali o Nobel de Literatura mostrou-se preocupado com a situação na Grécia e, frente aos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, advertiu para uma iminente terceira guerra mundial. "Perdemos a capacidade de aprender com os erros", disse, criticando a União Europeia por não incluir a Rússia em uma aliança de defesa.

Agora a imprensa corre atrás de informações sobre o último livro de Grass, "Vonne Endlichkeit" (da finitude). Concluído pouco antes de sua morte, o volume será lançado neste verão. Segundo a editora Steidl, trata-se de um experimento literário, que reúne prosa, lírica e desenhos do autor.

HEIDEGGER

A Universidade de Freiburg chocou muitos intelectuais alemães ao anunciar que está transformando sua tradicional cadeira de hermenêutica e fenomenologia, que pertenceu ao filósofo Martin Heidegger (1889-1976), em uma "cátedra júnior" –destinada a professores assistentes– na área de filosofia analítica da linguagem.

Heidegger é um dos mais influentes pensadores do país e, ao mesmo tempo, uma figura controversa, pois apoiou os nazistas nos anos 1930. Ele deteve a cátedra de fenomenologia e hermenêutica em Freiburg entre 1928 e 1947 –desde então, o posto leva o nome de "cadeira de Heidegger".

Enquanto a reitoria de Freiburg insiste em fomentar a carreira de jovens filósofos, quase 3.000 intelectuais de todo o mundo, entre eles a americana Judith Butler, fizeram um abaixo-assinado pedindo a manutenção da cátedra. Alegam que o momento é impróprio para fechá-la, já que os recém-publicados "Cadernos Negros" ainda mereceriam atenção especial por parte da comunidade acadêmica.

Nos "Cadernos Negros", um diário intelectual que Heidegger escreveu entre os anos 1930 e 1970, o autor de "Ser e Tempo" deixa explícito o seu antissemitismo.

PUNK

Sexo, drogas e rock punk. Com o filme "Tod den Hippies! Es lebe der Punk!" (Morte aos hippies! Viva o punk!), o cineasta Oskar Roehler ressuscita a cena underground da Berlim dos anos 1980.

O longa conta a história de um jovem que abandona o internato e seus professores hippies no sul da Alemanha e vai para Berlim Ocidental. É uma sátira à Berlim da época, quando a cidade era cercada pelo muro e atraía punks, aventureiros e desorientados em geral.

O filme recupera a música e o cenário de 30 anos atrás, como o clube Risiko, na Yorckstrasse, um dos polos da subcultura anárquica. Radical, não poupa o espectador de cenas com todas as formas de secreções e excrementos.

Como nos filmes anteriores de Roehler ("Nenhum Lugar para Ir", de 2000), este também tem um forte tom biográfico. Baseia-se no romance que o cineasta acaba de lançar pela editora Ullstein, "Mein Leben als Affenarsch" (minha vida como sacana).

SILVIA BITTENCOURT, 49, jornalista, é autora de "A Cozinha Venenosa" (Três Estrelas).


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