Folha de S. Paulo


Somos os únicos humanos do Universo: em busca de outras vidas

RESUMO Com mais de 1 trilhão de mundos apenas em nossa galáxia, é difícil imaginar que não exista vida fora da Terra. Mas, dado que não existem dois mundos com a mesma história e dado que a diversificação da vida depende de forma aleatória das mutações genéticas, pode-se considerar que não haverá humanos fora daqui.

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Em 1686, mesmo ano em que Isaac Newton publicou o seu monumental "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural", no qual elabora as leis de movimento e da gravitação, o francês Bernard Le Bovier de Fontenelle publicou "Conversa sobre a Pluralidade dos Mundos", em que especula sobre a possibilidade de existência de vida em outros planetas. O texto retrata uma conversa fictícia entre um filósofo e uma marquesa, ao longo de passeios noturnos pelos jardins de seu castelo.

Fora o fato de a marquesa ser uma rara protagonista feminina num livro do século 17, Fontenelle mostra sua modernidade ao atribuir a ela uma intuição apuradíssima, que muitas vezes inspira e mesmo confunde o filósofo, que logo acolhe a confusão como parte indispensável do conhecimento.

Num dado momento, o filósofo explica: "Toda a filosofia é fundada em duas coisas; curiosidade e miopia...o problema é que queremos ver mais do que podemos...Portanto, filósofos passam a vida duvidando do que veem e tecendo conjecturas sobre o que lhes escapa". Essa observação descreve perfeitamente a questão alienígena, que trata da existência ou não de vida extraterrestre.

Passados mais de três séculos desde a publicação do livro de Fontenelle, a questão alienígena continua em aberto. Não sabemos se existe ou não vida fora da Terra, se bem que aprendemos muito sobre a natureza dos sistemas planetários, sobre as propriedades muitas vezes espetaculares dos planetas e luas de nosso sistema solar, e sobre a existência de um número gigantesco de outros planetas e luas, girando em torno das centenas de bilhões de estrelas em nossa galáxia.

Nosso conhecimento do cosmo hoje é profundamente diferente daquele vigente no final do século 17. E, dado o que sabemos, podemos especular, como devem fazer os filósofos naturais, sobre o que pode existir noutros mundos.

VIDA

Qualquer discussão sobre vida extraterrestre deve começar com uma definição de vida. O problema é que não temos uma única definição, aceita pela comunidade científica. Alguns argumentam que definir é limitar e que, no caso da vida, é melhor deixar a questão em aberto: formas de vida inteiramente diversas das que conhecemos aqui podem existir em outros cantos do Universo.

Pode ser, mas essa posição não é muito útil. Precisamos ao menos de uma definição operacional, algo que possamos usar quando vasculhamos outros mundos em busca de criaturas vivas.

Cientistas da Nasa adotam a seguinte definição: vida é um processo químico no qual sistemas são capazes de metabolizar energia de seu ambiente e de se reproduzir de acordo com o processo darwiniano de seleção natural. Em outras palavras, criaturas vivas consomem energia e se reproduzem e se diversificam segundo descreve a Teoria da Evolução de Darwin.

É claro que essa definição é limitada. Bebês e vovôs não se reproduzem e estão vivos. Já os vírus ocupam uma área limítrofe, pois não têm células mas passam a viver (a se reproduzir) quando em contato com uma célula que os hospeda. Essa definição operacional diferencia seres vivos de outros sistemas que podem se reproduzir–fogo, cristais, estrelas–mas não segundo a teoria da evolução.

Consideramos também que a química dos seres vivos baseia-se em compostos de carbono e é facilitada em meios aquosos: vida precisa de carbono e água. Alguns elementos químicos, como o silício, têm uma bioquímica mais limitada que a do carbono; já outros meios, como a amônia, são bem menos versáteis do que a água.

VIDA INTELIGENTE

Na busca por vida extraterrestre, é essencial diferenciar vida de vida inteligente. No caso da Terra, nosso único ponto de referência, a vida existe há pelo menos 3,5 bilhões de anos; mas vida inteligente apenas há 200.000 anos, ao menos na forma da nossa espécie, Homo sapiens.

Mais dramaticamente, durante a maior parte desse tempo, 3 bilhões de anos, as únicas criaturas na Terra eram seres unicelulares, principalmente cianobactérias. Foram elas, devido a uma série de mutações acidentais, que evoluíram a ponto de poder realizar a fotossíntese, essencialmente transformando luz solar em oxigênio. Esse processo transformou a composição química da atmosfera que, uma vez rica em oxigênio, possibilitou a existência de criaturas com metabolismos mais complexos, que necessitam de fontes de energia mais eficientes.

Estamos aqui, nós e todos os outros seres multicelulares, devido a esse trabalho de bilhões de anos das cianobactérias.

A explosão na complexidade da vida aqui ocorreu em torno de 540 milhões de anos atrás, a famosa explosão do Cambriano. Num salto desproporcional, criaturas as mais diversas surgiram num intervalo relativamente curto de tempo, 20 milhões de anos, redefinindo a variedade da vida na Terra.

Mesmo assim, vida complexa não equivale a vida inteligente: os dinossauros existiram por cerca de 150 milhões de anos (portanto bem mais do que nós) e não demonstraram qualquer forma de inteligência maior, como compor sinfonias ou construir radiotelescópios.

É comum confundir evolução com complexificação, visto que é isto que observamos aqui. A própria conotação da palavra "evolução" contribui para isso. No entanto, a evolução da vida não tem um plano–uma teleologia–determinado; ela não visa "gerar" criaturas cada vez mais complexas.

O que a Teoria da Evolução por seleção natural nos diz é que a vida quer estar bem adaptada; se a coisa está funcionando bem, como no caso dos dinossauros por 150 milhões de anos, mutações ocorrerão, mas não necessariamente levarão a uma maior complexidade em direção à inteligência.

Por outro lado, a inteligência obviamente oferece enorme vantagem evolucionária, como vemos aqui: nós dominamos o planeta a ponto de mudá-lo e de ter a vida das outras espécies sob nosso poder. De fato, é pouco provável que mais de uma forma de vida inteligente possa conviver num planeta.

Bruno Dunley
Bruno Dunley - Pintura para Ilustrissima ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Pintura de Bruno Dunley

VIDA EXTRATERRESTRE

Nas últimas duas décadas, confirmamos o que já era há muito suspeitado: que a maioria das estrelas têm planetas girando à sua volta. Na Via Láctea, nossa galáxia, são em torno de 200 bilhões de estrelas. Imagine que cerca de 60% dessas estrelas tenham planetas à sua volta. Como sabemos, a maioria dos planetas também têm luas. Júpiter, por exemplo, tem mais de 60. Com isso, chegamos fácil a mais de 1 trilhão de mundos em nossa galáxia apenas, cada um deles único em suas propriedades, com sua própria história. E a Via Láctea é uma dentre centenas de bilhões de galáxias no Universo.

Os números são estonteantes. Dado que as mesmas leis físicas operam em todo o cosmo, podemos esperar que muitos desses mundos tenham condições semelhantes às da Terra: água líquida, uma atmosfera rica e diversificada, temperaturas relativamente estáveis, uma química capaz de gerar os compostos orgânicos de que a vida necessita. Difícil imaginar que, dada essa riqueza planetária, não exista vida fora da Terra. Mas que vida será essa?

Pelos argumentos acima, podemos concluir duas coisas: primeiro, que a existência de vida deve ser separada da existência de vida inteligente, um fenômeno certamente muito mais raro; segundo, que as formas de vida existentes num determinado mundo dependem fundamentalmente da história desse mundo, de suas propriedades e composição.

Aqui, deduzimos algo de muito importante: dado que não existem dois mundos com a mesma história –por exemplo, sequência de colisões com cometas e asteroides, posição dentre outros planetas, número e massa das luas– e dado que a diversificação da vida depende de forma aleatória das mutações genéticas, não existem formas de vida idênticas em mundos diferentes: cada mundo tem suas próprias criaturas, mesmo que possa haver uma repetição de certas características, como simetria aproximada entre lado esquerdo e direito etc. Ou seja, somos os únicos humanos no Universo.

CADÊ ELES?

Em 1950, o famoso físico italiano Enrico Fermi estava almoçando com colegas no refeitório do laboratório nuclear de Los Alamos, nos Estados Unidos, quando, após rascunhar alguns cálculos no guardanapo, perguntou: "Cadê todo mundo?". Seus amigos se entreolharam e responderam que estava todo mundo ali. "Não vocês", disse Fermi, "os extraterrestres". "Cadê eles?"

Fermi argumentou que, como a Via Láctea tem em torno de 10 bilhões de anos (a Terra tem 4,5 bilhões) e 100.000 anos-luz de diâmetro, uma civilização inteligente que houvesse evoluído antes de nós teria tido tempo de sobra para colonizar a galáxia por inteiro, ou ao menos boa parte dela. Por que não temos evidência desses vizinhos alienígenas?

Para compreender o que Fermi dizia, basta ver que, se pudéssemos viajar a apenas um décimo da velocidade da luz (equivalente a 30.000 km/segundo), demoraríamos 1 milhão de anos para atravessar a galáxia. Uma civilização antiga com, digamos, dez milhões de anos de vantagem sobre nós (o que não é nada em 10 bilhões de anos), teria já se espalhado pelas estrelas como nós pela Terra.

Este é o Paradoxo de Fermi, usado como argumento contra a existência de inteligências extraterrestres: se são comuns, deveriam já ter nos visitado.

Os que defendem a existência de ETs inteligentes oferecem vários argumentos para explicar a ausência de evidência: vieram já e não se interessaram muito; não têm interesse em viajar pelas estrelas; se destroem quando descobrem tecnologias nucleares; estão por aqui mas não podemos vê-los; somos sua criação, seu experimento genético ou sua simulação de computador, um game que jogam.

Infelizmente, nenhum dos depoimentos de visitas e sequestros por ETs tem validade científica. Mesmo que milhares de pessoas jurem de pés juntos que tiveram contato com extraterrestres, não oferecem nada mais do que depoimentos orais que não têm qualquer valor como prova.

O mesmo ocorre com fotos, que sempre podem ser forjadas ou representar fenômenos atmosféricos e objetos voadores menos exóticos do que naves extraterrestres.

A questão extraterrestre é séria demais para que nos deixemos levar por oportunismos ou devaneios, ainda que aparentemente honestos. Mesmo que haja outros seres inteligentes em nossa galáxia, a verdade é que estamos tão longe deles que, na prática, devemos nos considerar sós. Nas próximas décadas, deveremos obter evidência, indireta que seja, da existência de vida em outro mundo.

Por exemplo, é possível imaginar que futuras missões espaciais que recorram a telescópios bem mais poderosos do que o Hubble possam vir a determinar a composição aproximada da atmosfera de planetas girando em torno de outras estrelas.

Se tais observações acusarem a presença de oxigênio, água, gás carbônico ou ozônio em planetas na zona habitável de sua estrela (a zona onde água líquida e temperaturas temperadas são possíveis), teremos ao menos candidatos a lugares onde a vida será plausível; se, com sorte, acharmos clorofila na atmosfera, podemos ter certeza de que a vida existe por lá.

Missões em busca de evidência direta, isto é, que pousem em outros mundos, são ainda ficção. Com a tecnologia que temos hoje, mesmo uma missão até a estrela (grupo de estrelas) mais próxima do sol, a alfa centauro, a 4,5 anos-luz de distância, demoraria em torno de 100 mil anos.

Junte-se a isso o problema da radiação letal que existe no espaço e problemas fisiológicos que ocorrem em viagens longas, e estamos fadados a ficar no nosso Sistema Solar por muito tempo.

E SE?

Como em ciência devemos manter a cabeça aberta e não podemos eliminar a possibilidade da existência de ETs inteligentes, temos que abordar também a questão da nossa segurança. Se a maioria dos filmes de ficção científica estiverem certos, os ETs só viriam aqui para nos destruir e se apossar da Terra e de suas fontes de energia e minérios.

Em 2010 o físico Stephen Hawking escreveu sobre o assunto, alegando que é melhor nos escondermos deles ou corremos o risco de sermos encontrados e eliminados. Afinal, se você está perdido numa floresta em meio a criaturas desconhecidas, a última coisa que deve fazer é gritar ou acusar sua presença. Seria o caso de temer os ETs?

Dada a lista de medos que cidadãos modernos devem enfrentar–apocalipse nuclear, epidemias de novas doenças, sejam as naturais ou as geneticamente criadas, terrorismo, aquecimento global e suas consequências, catástrofes naturais etc.–é lícito pôr a ameaça de ETs no final.

Conforme argumentamos, a possibilidade de que existam outras inteligências na nossa galáxia é remota (mesmo que não seja nula), e a possibilidade de que essas inteligências tenham tecnologias ou interesse de vir aqui também.

Mais relevante é o que a astronomia moderna nos leva a concluir, que nosso planeta é uma joia rara, um oásis de vida em meio a um Universo hostil e indiferente. Somos nós–restos animados de estrelas capazes de especular sobre a possibilidade de vida além daqui–a grande surpresa cósmica.

Enquanto não conhecermos nossos vizinhos estelares, somos somente nós a manifestação de inteligência cósmica, as mentes com que o Universo tenta compreender a si mesmo.

Estamos sós no Universo? Duas décadas para a resposta

MARCELO GLEISER, 56, é professor titular de física, astronomia e filosofia natural no Dartmouth College, EUA, autor de "A Ilha do Conhecimento" (Record).

BRUNO DUNLEY, 30, é pintor.


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