Folha de S. Paulo


Estamos sós no Universo? Duas décadas para a resposta

Quem acompanha o campo de astrobiologia sabe que há hoje um certo frenesi entre os cientistas. Depois de séculos de especulação, estamos finalmente próximos de responder à famosa pergunta: estamos sós no Universo? E perto aí quer dizer modestas duas décadas.

A busca mais proeminente é aquela que envolve o estudo de outros sistemas planetários.

Neles, ambiciona-se encontrar planetas de tamanho e composição similares aos da Terra, localizados na distância certa de suas respectivas estrelas para que possam preservar água em estado líquido na superfície.

O satélite Kepler, da Nasa, fez um excelente trabalho entre 2009 e 2013 ao produzir um censo preliminar. Apontado o tempo todo para uma mesma (e pequena) região do céu, ele descobriu mais de mil planetas, além de milhares de candidatos.

Isso nos deu uma noção estatística da prevalência de mundos ao menos grosseiramente similares ao nosso. Sabemos hoje que eles existem às pencas.

E agora vamos passar à etapa realmente empolgante: a busca por mundos que estejam suficientemente próximos para que possamos estudar coisas como a composição de sua atmosfera.

A Nasa já prepara para 2017 o lançamento de um novo satélite, chamado Tess. Sigla para Transiting Exoplanet Survey Satellite (satélite de pesquisa de exoplanetas em trânsito), ele buscará observar todas as regiões do céu, numa missão inicial de dois anos.

A expectativa é que o Tess encontre cerca de 500 planetas com o tamanho da Terra ou ligeiramente maiores (as chamadas "superterras"), numa distância adequada para sua futura caracterização detalhada –ou seja, o estudo efetivo de suas propriedades.

ASSINATURA

Um ano depois do lançamento do Tess, em 2018, deve ir ao espaço o telescópio espacial James Webb. Sucessor do Hubble, ele será capaz de analisar a assinatura de luz que virá da atmosfera desses mundos. Se usássemos essa mesma técnica para observar a Terra, mesmo a alguns anos-luz de distância, detectaríamos uma atmosfera com alto teor de oxigênio e vapor d'água.

A única explicação possível, no caso, é a presença de vida, que, com a fotossíntese, constantemente reabastece o suprimento de oxigênio atmosférico.

Ou seja, buscaremos em outros mundos sinais indiretos de vida, na forma de desequilíbrios químicos na atmosfera. A astrofísica canadense Sara Seager, da Universidade Harvard, faz parte da equipe do Tess e acredita que na próxima década já teremos uma chance de detectar outro planeta vivo nas nossas vizinhanças galácticas.

Durante boa parte do século 20, os astrônomos cristalizaram a noção de que apenas a Terra era boa o suficiente para a vida nos mundos que compõem a família do Sistema Solar.

Duas linhas de pesquisa diferentes, contudo, já desafiam essa conclusão precipitada.

Em primeiro lugar, os biólogos têm encontrado organismos vivos em muitos lugares da Terra até então tidos como inabitáveis, como rocha sólida a dois quilômetros de profundidade ou fumarolas submarinas com temperatura beirando os 500 graus Celsius. Ou seja, a vida é mais versátil do que antes se imaginava.

Em segundo lugar, estudos mais pormenorizados do Sistema Solar revelam que há muita água em estado líquido –condição essencial para a vida– espalhada por aí, dando sopa.

Marte, agora sabemos, já teve água líquida e temperatura amena. E ainda podem existir ambientes habitáveis no subsolo marciano até hoje. Indo mais longe, pelo menos duas luas de Júpiter –Europa e Ganimedes– possuem oceanos de água salgada sob sua crosta congelada. E isso também vale para a pequenina lua de Saturno, Encélado.

Em 2018, a ESA (Agência Espacial Europeia) lançará seu primeiro jipe robótico marciano, o ExoMars. Seu objetivo é buscar evidências de vida passada ou presente no planeta vermelho.

A Nasa, por sua vez, anunciou recentemente sua intenção de enviar uma missão a Europa, a lua joviana, e um dos objetivos é estudar possíveis plumas de água que estão vazando do hemisfério Sul –se houver microrganismos lá, é bem possível que eles sejam ejetados para o espaço junto com a água.

E também está em estudo uma possível missão a Encélado, que seria capaz de identificar compostos ligados à vida nas plumas de água (mais proeminentes que as de Europa) que emanam da lua saturnina. "Se houver vida lá, nós saberemos", declara triunfante Jonathan Lunine, da Universidade Cornell, um dos proponentes do projeto.

O trânsito até as luas de Júpiter e Saturno exige anos de viagem, de forma que não devemos esperar resultados tão já. Mas o importante é que essas respostas estão a caminho.

"Até pouco tempo atrás, eu diria que a detecção remota de vida em exoplanetas estava mais quente", diz Ivan Gláucio Paulino Lima, biólogo brasileiro que trabalha no Centro Ames de Pesquisa, da Nasa. "Mas agora, com as missões destinadas a Europa e as propostas para investigar Encélado, acho que é um páreo duro."

Seja no Sistema Solar, seja nos planetas em torno de outras estrelas, estamos prestes a testar a hipótese de que a vida é um fenômeno que surge sempre que as condições são favoráveis.

Caso ela seja confirmada, restará ainda uma especulação. E quanto à vida inteligente? Há outras civilizações lá fora? Pelo menos a julgar pela longa história da vida na Terra, o surgimento de sociedades tecnológicas não parece ser um desfecho comum da evolução biológica. A questão é: quão incomum é esse desfecho?

É o que os pesquisadores envolvidos com a Seti (acrônimo inglês para Search for Extraterrestrial Intelligence, Busca por Inteligência Extraterrestre) esperam responder, ao procurar possíveis sinais de rádio (e laser) enviados por outras civilizações.

Até agora, nada de concreto foi encontrado. Mas também esses pesquisadores julgam duas décadas um bom prazo para concluírem uma primeira rodada de escuta sistemática. E a busca será informada pelos estudos de exoplanetas, com a identificação de mundos potencialmente habitados.

Continua sendo como procurar uma agulha num palheiro. Mas pelo menos o palheiro já não será tão grande como era antigamente.

Somos os únicos humanos do Universo: em busca de outras vidas

SALVADOR NOGUEIRA, 36, jornalista, assina o blog Mensageiro Sideral no site da Folha (mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br ).


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