Folha de S. Paulo


Estatismo e benesses seletivas atrasam economia

RESUMO O acúmulo de distorções intervencionistas e inflacionárias diminuiu a competitividade da economia. O que falta no Brasil não é interesse em empreender e trabalhar, mas condições para isso. Empréstimos privilegiados são feitos para empresas bem conectadas, mas o custo econômico cai sobre quem paga impostos

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"Você está rico e nem sabe!" Foi assim que me anunciaram a descoberta do Tupi, o primeiro megapoço de petróleo do que viria a ser chamado de pré-sal. O ano era 2007, e eu estava na Tanzânia participando de uma conferência sobre desenvolvimento. O amigo de Gana que me dava a notícia não continha a empolgação: "Estão dizendo que é o maior poço de petróleo do mundo!".

Só depois de algum tempo eu iria perceber a ironia de receber a notícia do pré-sal em solo africano. O continente é o exemplo por excelência do paradoxo que os cientistas sociais chamam de maldição dos recursos naturais. Países com recursos naturais de sobra acabam com desenvolvimento social de menos. Nigéria, Argélia e Angola, por exemplo, são líderes continentais em exportação de petróleo, mas estão longe de liderarem índices de desenvolvimento e transparência.

O paradoxo é compreensível. Governos precisam arrecadar seu sustento de alguma atividade econômica. Em países sem muitos recursos naturais, como Suíça ou Cingapura, a receita do governo depende da produtividade do povo. O governo é motivado a criar instituições que permitam às pessoas trabalhar, empreender e inovar. Quando, no entanto, a terra dá óleo, gás ou diamantes, o governo não depende mais tanto do povo e é motivado a criar instituições que excluam a população da exploração do recurso.

Eduardo Anizelli/Folhapress
Ilustração de Sergio Sister
Ilustração de Sergio Sister

Nem todos os países acabam vítimas da maldição dos recursos naturais. Estados Unidos, Canadá e Noruega estão entre os maiores produtores de petróleo do mundo e também entre as maiores rendas do mundo. Por que
deram certo enquanto outros deram errado?

Uma importante diferença é que, nesses países, a produção petrolífera em larga escala só apareceu depois de instituições políticas inclusivas terem se consolidado. A exclusão econômica é a chave da maldição. Quando os incentivos do governo caminham na contramão dos incentivos da sociedade, as instituições decorrentes funcionam a serviço da elite política.

Não era certo qual seria o resultado do pré-sal para o Brasil de 2007, se bênção ou maldição. Desde 1998, o setor petrolífero tinha regras que permitiam certo grau de competição e previsibilidade. Não seriam novos poços de petróleo que nos fariam mudar as regras do jogo.

Em 2008, o presidente Lula decidiu mudá-las, excluindo de licitação 41 áreas que estavam sob a camada do pré-sal. Convencido da promessa de abundância de recursos a baixo risco, Lula queria que a exploração do óleo novo fosse privilégio monopolístico da Petrobras. O Brasil entrava numa nova categoria: a maldição da promessa de recursos naturais.

GASTOS

O desafio da viabilidade técnica e econômica da exploração petrolífera demandava enormes gastos. Curiosamente, isso era motivo de celebração para alguns. O diretor da OGX, José Gros, aparecia na revista "Piauí" comemorando "enormes gastos tecnológicos que só trarão benefícios". A pergunta: benefícios para quem?

Entre 2009 e 2012, a OGX e outras empresas do grupo EBX receberam R$ 8,1 bilhões em empréstimos do BNDES. Aproveitaram o crescimento do banco estatal que, na última década, foi se tornando o grande financiador de "campeãs nacionais" e camaradas estrangeiros.

O estoque do BNDES quatriplicou entre 2007 e 2014, chegando a R$ 814 bilhões. Seus desembolsos, estimados em R$ 190 bilhões ao ano, já superaram o PIB do Uruguai. Apesar de ser financiado com dinheiro dos impostos, principalmente do Fundo de Amparo ao Trabalhador, os detalhes dos investimentos do banco são mantidos em sigilo.

O mesmo raciocínio por trás da maldição dos recursos naturais se aplica ao mau uso de outros recursos públicos. Um grande banco estatal pode ser comparado a um grande poço de petróleo. Ambos criam incentivos que colocam os interesses do governo em rota de colisão com os interesses da sociedade. Empréstimos privilegiados são feitos para empresas bem conectadas, mas o custo econômico cai sobre quem paga impostos.

É a famosa privatização dos lucros e socialização das perdas. Assim como na promessa de recursos naturais, crédito subsidiado cria expectativas que nem sempre se concretizam. Sob condições artificiais de crédito, investimentos inviáveis passam a parecer lucrativos. O otimismo do crescimento movido a subsídio acaba na hora em que os juros têm que subir. Até um cartão de crédito sem limites acaba encontrando a fronteira da realidade econômica.

No longo prazo, o acúmulo de distorções intervencionistas e inflacionárias diminui a competitividade de empresas, como vem acontecendo no Brasil com aço e automóveis, ou com açúcar e etanol. Durante o governo Dilma, BNDES, Caixa, e Banco do Brasil ultrapassaram os bancos privados em criação de dívida.

De 2002 a 2014, nota o economista do Ipea Mansueto de Almeida, os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos como proporção da dívida líquida do setor público subiram de 1,3% para quase 30%. Com o aumento do intervencionismo, não é de espantar que o país amargue a 118ª posição no ranking de liberdade econômica da Heritage Foundation, atrás de Belize e um pouco à frente do Mali.

Só o BNDES conta com participação em 700 das maiores empresas brasileiras. Quanto mais dependentes do governo, mais incentivos as empresas ganham para investir em lobby por proteção estatal e recursos públicos, e menos em produtividade.

O Nobel em economia Paul Krugman estava certo quando disse que "no longo prazo, a produtividade é quase tudo". Para que uma economia possa crescer de modo sustentável e salários possam aumentar, é preciso que as pessoas produzam mais amanhã do que produziam ontem.

PERIGO

De 2007 a 2013, a produtividade brasileira cresceu numa média de 1,5% ao ano. Em comparação, a produtividade de China e Índia cresceu respectivamente a taxas de 9,2% e 6,8% ao ano. Aumento de consumo e crédito sem aumento de produtividade é uma combinação perigosa. Linhas de financiamento público e programas de transferência dependem de ganhos de produtividade.

O Bolsa Família mostra que é melhor dar dinheiro para o pobre decidir o que comprar do que dar dinheiro para o burocrata decidir o que dar ao pobre. Mas, para se tornar emancipatório de fato, é preciso que as pessoas dependam de sua própria produção. Por melhor que seja um cartão do Bolsa Família, ele não substitui um emprego.

Quem joga a culpa da nossa falta de produtividade na preguiça ou acomodação do povo brasileiro precisa enfrentar os dados que mostram o contrário. O brasileiro busca inclusão econômica por conta própria. A mais recente pesquisa do Global Entrepreneurship Monitor mostra que o brasileiro é o mais empreendedor entre as nações do Brics. Na faixa entre 18 e 64 anos, 34,5% possuem empresa ou estão criando uma. Esse número coloca o
Brasil mais de 14 pontos percentuais à frente dos 20% dos EUA, onde empreender faz parte da identidade nacional.

O que falta no Brasil não é interesse em empreender e trabalhar. Faltam as condições para empreender e trabalhar. O custo de tocar uma empresa no Brasil é tão alto que o país é o 120º entre 189 no índice de facilidade em fazer negócios. Leva mais de 83 dias abrir uma empresa no Brasil; no Chile ou no México, são cerca de 6.

O Banco Mundial calcula que as empresas gastam em média 2.600 horas no pagamento de impostos no Brasil -no Chile, são 291 horas.

Essa realidade não se limita à classe alta. Os maiores excluídos pela dificuldade de abrir o próprio negócio no Brasil são os mais pobres. Em 2011, o Sebrae-RJ foi ao Complexo do Alemão em busca de empreendimentos informais. Em um ano, formalizou cerca de 1.700 empresas, e estimava que 92% dos negócios nas favelas cariocas seguiam na informalidade.

Esse Brasil empreendedor contrasta com o Brasil estatista de grandes bancos, grandes poços e acusações de corrupção. Depois de mais de uma década no governo, os interesses do PT estão desalinhados dos interesses das pessoas. Os brasileiros pedem reformas abrangentes e recebem pacotes econômicos seletivos, pedem combate à inflação e recebem mais etanol na gasolina, pedem infraestrutura e recebem Copa. O resultado é um país à beira do ingovernável, dividido por antagonismos e marcado por manifestações populares de proporções históricas.

O reajuste que o Brasil precisa é o dos interesses entre governo e sociedade, entre partido e Congresso. Menos pacotes e mais reforma tributária e trabalhista. Menos cartéis e monopólios e mais concorrência e abertura.
O Brasil não sai às ruas por causa de um pessimismo excessivo, mas de um realismo inadiável. O Brasil pós pré-sal não consegue mais pagar as contas com promessa de petróleo e desenvolvimento. A última coisa que o PT deve fazer é continuar a tratar uma grave recessão econômica como problema de marketing político e a reagir às manifestações fazendo das redes sociais um campo de hostilidade.

Não é hashtag no Twitter que vai desinflacionar o crédito. Não é campanha contra o ódio que vai aumentar a produtividade do trabalhador. Não se governam 200 milhões de brasileiros na base de 140 caracteres.

Se o PT quer um novo discurso, pode começar com a franqueza de uma confissão atrasada: "Estamos pobres e não sabíamos".

DIOGO COSTA, 32, é doutorando em economia política no King's College de Londres, onde ensina princípios de economia.

SERGIO SISTER, 66, é artista plástico.


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