Folha de S. Paulo


Leia três poemas de Tomas Tranströmer

SOBRE O TEXTO Os poemas abaixo fazem parte de coletânea que será lançada pela Companhia das Letras no segundo semestre deste ano.

Abril e silêncio

A primavera jaz abandonada
Uma valeta de cor roxa escura
move-se ao meu lado
sem restituir nenhuma imagem.

A única coisa que brilha
são algumas flores amarelas.

Carrego-me dentro de minha
própria sombra como um violino
em seu estojo.

A única coisa que quero dizer
paira bem fora do alcance
como a prataria da família
numa casa de penhores.

Paulo Pasta

Noite de inverno

A tempestade aproxima seus lábios da casa
e assopra para fazer som.
Eu durmo, inquieto, mudo de posição, com os
olhos fechados leio o livro da tempestade.

Mas os olhos da criança se arregalam no escuro
e a tempestade choraminga pela criança.
Ambas gostam de ver a lâmpada que oscila.
Ambas estão a meio caminho da linguagem.

A tempestade tem mãos e asas infantis.
A caravana se apressa em direção à Lapônia
e a casa sente a constelação de pregos
mantendo as suas paredes juntas.

A noite está quieta sobre nosso chão
(onde todos os passos evanescentes
deitam-se como folhas submersas numa lagoa)
mas lá fora a noite é selvagem!

Uma tempestade mais grave se move sobre todos nós.
Aproxima seus lábios de nossa alma
e assopra para fazer som. Tememos que
a tempestade venha a destruir tudo que está dentro de nós.

*

Vendo através do solo

O sol claro se dissolve na cerração.
A luz pinga, cava o seu caminho em direção

aos meus olhos subterrâneos que estão lá
sob a cidade, e eles vêem a cidade

de baixo: ruas, fundações das casas –
como fotos aéreas de uma cidade em tempos de guerra

mas ao contrário: fotografar da toca...
retângulos mudos em cores sombrias.

É lá que as coisas acontecem. Ninguém pode diferenciar
os ossos dos mortos daqueles dos vivos.

A luz do sol cresce, inunda
cabinas e cascas.

TOMAS TRANSTRÖMER, 83, poeta sueco, venceu o Prêmio Nobel de literatura de 2011.

ENAIÊ AZAMBUJA, 24, é tradutora e cursa mestrado em literatura inglesa na Universidade de Estocolmo.

PAULO PASTA, 56, é artista plástico.


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