Folha de S. Paulo


Arquivo aberto - Augusta, calçada da fama

Erasmo Carlos costuma dizer que o cinema mostrou a cara da juventude transviada com Marlon Brando montado numa Harley-Davidson no filme "O Selvagem" (1953) e que James Dean e Sal Mineo foram os ídolos dessa contestação visual. Elvis Presley nos trouxe, com o rock, a transgressão sonora.

Naquela época, todos os jovens queriam -na rebeldia do vestuário, topete com brilhantina e uma fama de mau- imitar seus ídolos. Aqueles que viram e sonharam com o filme "O Candelabro Italiano" (1962) adotaram a lambreta -menos pesada, mais romântica e acessível- no lugar da Harley.

Os cinemas que exibiram aqui, nos anos 60, o filme "Ao Balanço das Horas" (1956), com Bill Halley e seus Cometas, foram quebrados na noite de estreia por adolescentes que ficaram enlouquecidos com o ritmo alucinante do rock and roll que chegava. A coreografia era dançada espalhafatosamente, com as moças se atirando em cima de seus parceiros num salto espetacular, deslizando sobre suas costas com as saias voando e ressurgindo lépidas rebolando por entre as pernas do cavalheiro num gingado frenético.

Em São Paulo, o radialista Antônio Aguillar comandava seu programa com alguns artistas já envolvidos com o rock e que já marcavam território, como Carlos Gonzaga, Tony e Celly Campelo, Sergio Murillo e Ronnie Cord, que eternizou o hino em homenagem à rua Augusta com um refrão bem ao estilo juventude transviada: "Quem é da nossa gangue não tem medo".

Mas foi com a entrada da jovem guarda que a rua Augusta tomou conta do cenário pop rock brasileiro, demarcando definitivamente aquela passarela como o maior point de expressão jovem do país.

Em 1967 aqueles carros maravilhosos dos paulistanos bem nascidos desfilavam naquelas paqueras dominicais, foi ali que a juventude paulistana passou a se expressar.
Roberto e Erasmo compraram carrões maravilhosos e os rapazes, os imitando, desfilavam também suas madeixas soltas sem Gumex, calças "saint-tropez" muito justas em boca de sino, camisas de gola rolê, cinturões e botinhas carrapetas -todos se sentindo "uma brasa, mora".

As meninas todas à la Wandeca, de microsaias de couro pretas, botas altas, cabeleiras sem laquê, muito pancake, e cílios postiços -imagem rebelde que contrastava com as pudicas anáguas e combinações usadas então por baixo dos vestidos compridos e rodados.

Eu também quis competir com o poder masculino que aquelas máquinas poderosas projetavam e, em 1967, também importei meu primeiro carrão: um Mustang conversível branco de capota preta que causava o maior furor nas ruas paulistanas, além de uma BMW conversível -no tempo em que se podia desfilar de capota arriada.

A rua Augusta fervia, mas a partir daí minhas participações naqueles desfiles passaram a se tornar impossíveis devido ao assédio, que aumentou consideravelmente. Às vezes eu percorria escondida o trajeto com o Laurão, meu motorista e "body-guards" que passei a necessitar, e dava uns rolês nostálgicos, espionando a galera divertida.

Acervo pessoal
A cantora Wanderléa com seu Mustang conversível branco em foto de 1967, em São Paulo
A cantora Wanderléa com seu Mustang conversível branco em foto de 1967, em São Paulo

Bons tempos -mais românticos e ingênuos, sem dúvida- que estabeleceram a fama trepidante desta que se tornou a mais famosa rua da cidade entre os anos 60 e 70.

Hoje a Augusta se popularizou, e os agitos jovens acontecem na parte baixa, mas sem aquele glamour de outrora. Próximo aos seus arredores, surgiu a nossa Manhattan paulista, pela excelente localização e comércio altamente sofisticado de sua parte mais nobre.

Em 2009, junto a alguns ativistas ambientais, plantei árvores em suas esquinas com a finalidade de humanizar sua orla tão carente de verde. Por isso torço muito para que ela seja agraciada com o parque Augusta que ambicionamos tanto, para nos proporcionar uma área de lazer e respiro.

A rua Augusta e nós moradores de São Paulo merecemos a concessão desse parque que nos trará mais drenagem do solo, um ar mais saudável e vida nova a essa que foi a nossa verdadeira calçada da fama.

WANDERLÉA, 68, é cantora. O texto publicado é uma versão modificada de trecho de sua autobiografia que sai pela Record no segundo semestre.


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