Folha de S. Paulo


Inglaterra celebra 50 anos de mostra inovadora sobre poesia concreta

RESUMO Simpósio realizado no mês passado na Universidade de Cambridge celebrou o cinquentenário da primeira Mostra Internacional de Poesia Concreta, na Inglaterra. A homenagem destacou a forte presença brasileira na exposição de 1964 e defendeu a contribuição de alguns poetas menos famosos e valorizados.

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No térreo do prédio Alison Richard, onde fica o Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, acadêmicos e estudantes se aglomeram em torno de obras de Haroldo (1929-2003) e Augusto de Campos, Julio Plaza (1938-2003) e Décio Pignatari (1927-2012).

O grupo esperava pelo início do simpósio "Concrete Poetry - International Exchanges" (poesia concreta - trocas internacionais), no último dia 14, organizado para celebrar os 50 anos da Primeira Mostra Internacional de Poesia Concreta, Fônica e Cinética, no St. Catharine's College, parte da universidade.

A exposição, de 28 de novembro a 5 de dezembro de 1964, teve uma forte presença brasileira -entre os mais de 90 trabalhos expostos estavam obras do grupo Noigandres, de Augusto e Haroldo de Campos, José Lino Grünewald (1931-2000), Décio Pignatari e Ronaldo Azeredo (1937-2006), e de Edgard Braga (1897-1985), Luiz Angelo Pinto e Pedro Xisto (1901-87).

Regina Pouchain/Arquivo Pessoal
Imagem do livro
Imagem do livro "A AVE", de Wlademir Dias-Pino, editado em 1956

Todos estão representados agora na exposição que rodeia os participantes do simpósio e segue no segundo andar do prédio, uma das três mostras organizadas na cidade para celebrar a data. Os livros, cartas e obras -incluindo trabalhos de Wlademir Dias-Pino, Álvaro de Sá (1935-2001), entre outros- fazem parte do acervo do historiador de arte Stephen Bann, professor emérito da Universidade de Bristol e um dos organizadores da exposição de 1964, ao lado de Red Gadney, Philip Steadman e Mike Weaver.

A primeira mostra exibiu obras vindas de diversos países, da Venezuela à Áustria, fazendo jus ao "internacional" de seu título.

Entre os artistas com trabalhos expostos, além dos brasileiros, estavam o escocês Ian Hamilton Finlay (1925-2006), o norte-americano Frank Malina (1912-81), cientista pioneiro na arte cinética, o monge beneditino britânico Sylvester Houédard (1924-92) e Eugen Gomringer, boliviano naturalizado suíço, considerado um dos pais do movimento internacional de poesia concreta.

Como tal elenco foi reunido? Bann não consegue precisar como os trabalhos foram selecionados. "Eu apenas me lembro de Mark Weaver enviando dezenas de cartas para vários países pedindo colaborações de poetas de vários cantos do mundo", diz ele à reportagem da Folha em sua casa, na cidade de Canterbury.

Philip Steadman, que foi editor de "Image" e "Form", publicações seminais na propagação da poesia concreta no Reino Unido, também não sabe dizer. "Para ser sincero, não me lembro", diz ele, hoje professor da Faculdade de Ambiente Construído da University College London, durante abertura de outra das exposições em homenagem aos 50 anos do feito, "Graphic Constellations", na galeria Ruskin.

Regina Pouchain/Arquivo Pessoal
Imagem do livro
Imagem do livro "A AVE", de Wlademir Dias-Pino, editado em 1956

Para Bann, o momento era propício para a colaboração internacional. "Nos anos 1960, depois das barreiras criadas pela Segunda Guerra, as pessoas passaram a querer se comunicar", diz. "Havia um desejo de estar conectado que transcendia todas as outras questões, como a financeira. As pessoas apenas enviavam suas obras."

À exposição se seguiriam publicações na "Form", o festival de poesia concreta em Brighton, em 1967, também com obras do grupo brasileiro, e a coletânea editada por Bann no mesmo ano.

Seu envolvimento com a poesia concreta se deu meses antes da mostra pioneira em 1964, quando conheceu o poeta Ian Hamilton Finlay, de quem se tornaria amigo. Seu livro mais recente é uma edição de cartas que recebeu do poeta, "Midway: Letters from Ian Hamilton Finlay to Stephen Bann 1964-69" [Wilmington Square Books, 400 págs., R$ 66,59 em Kindle].

Em termos gerais, "deixando de fora todo um contexto anterior, como o manifesto do grupo Art Concret, de Theo van Doesburg [um dos principais nomes do neoplasticismo], em 1930", Bann marca o início do movimento internacional da poesia concreta com o encontro, em 1955, de Décio Pignatari e Gomringer, quando este era secretário do artista concreto suíço Max Bill (1908-94) na Escola de Design de Ulm, na Alemanha.

"Ali eles perceberam que eram parte de pequenos grupos produzindo trabalhos com as mesmas raízes e antecedentes, ainda que não estivessem trabalhando juntos", afirma. "Ambos concordaram em usar o termo poesia concreta."

A identificação, é claro, não apagou as diferenças entre os dois grupos, como a influência de Ezra Pound (1885-1972) sobre os brasileiros. "Falei com Gomringer há uns 15 dias e ele comentou que, na época, não sabiam nada sobre Pound na Alemanha e na Suíça", conta Bann. "Eles não entendiam por que o grupo brasileiro se intitulava Noigandres", diverte-se.

O nome foi tirado de uma palavra enigmática em um verso do trovador provençal Arnaut Daniel, que depois ganhou vida nova em "Os Cantos", de Pound.

O marco inicial da poesia concreta citado por Bann, largamente aceito por estudiosos do assunto, foi questionado pelo artista brasileiro Eduardo Kac durante sua palestra no simpósio em Cambridge, "Dispelling Myths of Origin" (dissipando mitos de origem). Pioneiro em uma longa carreira de experimentações artísticas com o uso de tecnologia, ciência e biologia, indo da holografia à bioarte -sua obra mais conhecida é "Alba", uma coelha modificada geneticamente para emitir luz florescente-, apresentou exemplos anteriores do estilo poético e do uso do termo poesia concreta.

Regina Pouchain/Arquivo Pessoal
Imagem do livro
Imagem do livro "A AVE", de Wlademir Dias-Pino, editado em 1956

O palestrante destacou a atuação do poeta Wlademir Dias-Pino, que também participou da primeira Exposição Nacional de Arte Concreta, organizada por poetas e artistas de São Paulo, em 1956 (e, no ano seguinte, no Rio). Dias-Pino, posteriormente um dos fundadores do movimento poema\processo (1967), apresentou na ocasião quatro versões de "SOLIDA", poema que permite várias leituras de acordo com diferentes codificações gráficas das letras do título. No mesmo ano, publicou o livro-poema "A AVE", cujas primeiras versões, segundo Kac, datam de 1948.

INFLUÊNCIA

Se o concretismo e seus desdobramentos foram um marco na cena poética brasileira, no Reino Unido sua influência foi mais difusa. "O impacto foi forte. O problema era a dificuldade de distinguir a poesia concreta de outras formas poéticas que também estavam repercutindo no momento", diz Bann. "Especialmente os que seguiam a geração beat e buscavam nos EUA maneiras de se conectar com aquela forma de poesia."

Um dos exemplos de Bann é o International Poetry Incarnation, no Royal Albert Hall, em 1965, evento com grande presença de poetas beat que atraiu 7.000 pessoas e se tornou lendário na história da contracultura britânica. "Uma das apresentações de mais sucesso foi a do concretista [austríaco] Ernst Jandl, que mostrou seus poemas sonoros", diz.

A lembrança do evento -que reuniu, entre outros, William Burroughs (1914-97) e Allen Ginsberg (1926-97)- ainda diverte Bann. "Alguns dos beats estavam drogados e quase estragaram a exposição."

Na época, era inevitável a comparação entre o concretismo e a poesia beat -que Bann classifica como "um tanto autocondescendente". As críticas que mais irritavam Finlay, segundo ele, eram as de que suas poesias "tinham poucas palavras" e eram "muito simples".

"Ninguém olha uma obra de Jesús Rafael Soto e diz que é muito simples", exemplificava. De acordo com Bann, a separação de sua obra da poesia beat era muito importante para Finlay. "Ele buscava uma forma que acreditava ser mais pura."

E é sob os auspícios de Finlay que se fecha o ciclo iniciado e termina o simpósio -que, além do próprio Bann, teve palestras da brasileira Viviane Carvalho da Anunciação, que pesquisa o diálogos entre os poetas concretos brasileiros e britânicos, entre outros.

Acadêmicos e plateia seguem para a galeria Kettle Yard para visitar a terceira mostra ligada ao evento, esta totalmente dedicada ao poeta escocês.

MARINA DELLA VALLE, 38, é jornalista e tradutora.


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