Folha de S. Paulo


Arquivo aberto - Um retrato marcante

O passado volta com força quando ele ecoa no presente. É o grande cenário para se entender o agora. Em novembro do ano passado, participei da Paris Photo, a maior feira de fotografia do mundo, e lá memórias voltaram. Percebi que muitas coisas na minha vida como artista visual, e agora também como editora, tinham como cenário um passado bem mais longínquo que estava ressoando ali.

Lembrei os caminhos que me levaram até lá, que foram diversos, mas lembrei especialmente de um evento que foi comum a muitos de nós fotógrafos, curadores, críticos e editores participantes daquela Paris Photo.

Tudo começou na Cidade do México, em 1996, no quinto Colóquio Latino-americano. Esteve lá um grande grupo de brasileiros -Iatã Cannabrava, Rosely Nakagawa, Rubens Fernandes, Isabel Amado, Tiago Santana, Eduardo Muylaert, eu e outros tantos.

Eduardo Muylaert/Divulgação
Claudia Jaguaribe, Rubens Fernandes (centro) e Iatã Cannabrava em colóquio na Cidade do México, em 96
Claudia Jaguaribe, Rubens Fernandes (centro) e Iatã Cannabrava em colóquio na Cidade do México, em 96

Chegando ao México, visita ao Museu de Antropologia, pânico do mal de Montezuma [uma diarreia muito agressiva] e tequilas. Visitamos a casa de Frida Kahlo, que me impressionou muito por ser uma vida tão mexicana e ao mesmo tempo tão influente para artistas de todo mundo.

O evento tinha uma programação intensa e uma enorme estrutura, com tendas para workshops, palestras e exposições. Lembro de ver muitos livros de fotografia. Era uma grande novidade esse tipo de organização e reunião de tantos artistas com o mesmo propósito. Encontramos um mundo inexistente no Brasil. Um Estado a serviço da imagem.

No meu completo desconhecimento da realidade mexicana, fiquei fascinada ao ver como eles podiam fazer tanto pela cultura. Nem que seja para se opor aos Estados Unidos, a questão da identidade nacional é muito presente e eles não medem esforços em se representar bem nas artes.

Muitos dos protagonistas da cena da fotografia brasileira foram direta ou indiretamente influenciados pelo colóquio. Lá entendemos a necessidade de criar redes que dinamizam o pensamento artístico e, assim, formam sistemas de produção da imagem.

Os palestrantes e fotógrafos que estavam presentes -como Pedro Meyer, Joan Fontcuberta e Pablo Ortiz Monasterio- são alguns dos que ajudaram a abrir o caminho para uma fotografia contemporânea naquele momento na América Latina. Entendi o peso que a imagem tem na cultura e na vida de um país. Joan Fontcuberta, principalmente, foi um encontro muito marcante. O seu workshop abriu para mim um novo entendimento e modo de fazer fotografia.

O tempo foi passando e o dia a dia da fotografia tomou conta da minha vida. Projetos, exposições, mudança para o digital e novos sistemas de produção. Tudo isso foi ganhando corpo, mas sempre sentindo os efeitos de viver num país onde a cultura não é prioridade. A mesma turma continuou se encontrando, alguns caminhos se cruzando, mas a pesquisa de cada um se sobrepôs à vida do grupo que naquele momento fez coletivamente uma descoberta tão importante.

Aos poucos as ideias que lá surgiram foram reaparecendo em outros formatos. Foi criado o Fórum Latino-Americano de Fotografia, no Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, 11 anos depois. Lá estava um novo público que no Brasil sentiu a necessidade de se integrar à fotografia latino-americana e dialogar com fotógrafos, curadores e críticos que integravam a turma do colóquio no México.

Foi ficando cada vez mais evidente que a fotografia é um veículo de comunicação e integração da sociedade em muitos aspectos. Como tratar disso? Com um desses amigos de longa data, o Iatã Cannabrava, em associação com um novo integrante, Claudi Carreras, criamos a editora Madalena, um lugar para experimentar, pensar e divulgar a fotografia.

Foi no Grand Palais, durante a feira de Paris, revendo as pessoas do evento no México, que o ciclo se fechou. Senti um grande alívio porque vi que, depois de todos esses anos de procura e de muito esforço para encontrar os meios certos, acertamos e ainda por cima encontramos muitos amigos e futuras gerações de fotógrafos que, como nós, procuram traçar caminhos novos para a sua arte.

CLAUDIA JAGUARIBE, 59, artista visual, lançou recentemente o livro "Entrevistas" (Editora Madalena).


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