Folha de S. Paulo


Arquivos de autores relevantes pertencem aos EUA

Escrever sobre os autores do boom envolve uma questão delicada: a exportação dos arquivos dos mais importantes autores latino-americanos para universidades norte-americanas.

Carlos Fuentes reconheceu essa dificuldade em carta enviada a Gabriel García Márquez em 29 de março de 1974: "Em fevereiro viajamos para Washington com uma bolsa do Instituto Smithsonian e da Biblioteca do Congresso para utilizar o grande acervo hispano-americano da Biblioteca, o melhor do mundo".

Fuentes rematava a escrita de "Terra Nostra" -o mais ambicioso romance do autor; publicado no ano seguinte, obteve o relevante Prêmio Rómulo Gallegos em 1977. A temporada em Washington ajudou a lastrear o texto; afinal, nas palavras de Fuentes, "sigo o preceito do mestre Buñuel: não há imaginação sem história". Esta, o autor mexicano buscava na Biblioteca do Congresso.

García Márquez antecipou o dilema, imaginando uma solução à altura da criatividade de seus personagens.

Em carta endereçada a Fuentes, em 2 de novembro de 1968, acrescentou uma nota maliciosa: "o autor desta carta certifica que ela é apócrifa e por isso não é vendável a Harvard".

Ironias à parte, recentemente os arquivos de García Márquez foram adquiridos pela Universidade do Texas, em Austin. Aliás, aí, o Centro Harry Ransom também abriga os arquivos de James Joyce, Jorge Luis Borges, William Faulkner, compondo, assim, um repositório incontornável na história da literatura da segunda metade do século 20.

BRASILEIROS

A Biblioteca Beinecke, da Universidade Yale, concentra alguns dos mais importantes arquivos das vanguardas do século 20; por exemplo, os manuscritos de Ezra Pound e Filippo Tommaso Marinetti lá se encontram. E são importantes para os pesquisadores brasileiros, pois, nos papéis de Pound, há cartas decisivas dos jovens poetas concretos, anunciando seu projeto estético.

O acervo de Marinetti dispõe de uma coleção de livros de modernistas brasileiros com dedicatórias eloquentes. Na esfera pública, todos procuravam se afastar do incômodo italiano; no circuito fechado das correspondências, a cordialidade reinava.

A Biblioteca Firestone, da Universidade de Princeton, segue uma estratégia semelhante. Vale dizer, desenvolvem-se estratégias de aquisição de acervos aparentados, permitindo o cruzamento de dados e o aproveitamento ideal do tempo de imersão no arquivo.

No caso da minha pesquisa, o êxito da iniciativa é evidente, pois a presença, no mesmo espaço, dos arquivos de Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e José Donoso, Guillermo Cabrera Infante e Emir Rodríguez Monegal -para ficar apenas nesses nomes- torna o local uma referência obrigatória para todo estudioso interessado em reescrever a história do boom.

JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA, 50, é professor de literatura comparada da Uerj. Seu texto foi escrito durante período como pesquisador e professor visitante no departamento de língua e cultura hispânica e portuguesa da Universidade de Princeton.


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