Folha de S. Paulo


As limitações de Jeff Koons

Jeff Koons chega ao Centro Pompidou esta semana com uma mostra que lotou o Whitney Museum em Nova York no trimestre passado e conquistou os críticos daquela cidade. A mostra, magistralmente organizada pelo curador Scott Rothkopf, é seca, clara, absurda, espetacular, chata, entediante, repulsiva. Inclui quadros cujos temas são massinha de modelar e Popeye, esculturas pornô em vidro púrpura, um "poodle" policromático de madeira e uma Pietà de porcelana; "Michael Jackson and Bubbles" (1988) mostra o cantor e seu macaco de estimação, dourados e em escala maior que a natural, ambos com um olhar morto e sombrio.

Essa é a peça que se destaca no Pompidou, a única com um vislumbre de ressonância emocional, e o emblema que atribuiu a Koons sua posição como sereia do culto ao dinheiro dos anos 80. Ele nada fez de original depois disso. Apesar de tudo, a mostra é importante: desafiadores em seu vazio, os feitos de arte monumental de Koons gritam questões sobre as forças –financeiras, sociais e tecnológicas - que fizeram da arte dele a mais reconhecível e a mais cara do planeta.

María Luisa Gaspar/Efe
A obra
A obra "Balloon Dog", de Jeff Koons, na exposição do Centro Pompidou

"Balloon Dog", um cachorro cor de laranja de três metros de comprimento, uma versão metálica ampliada dos cachorros feitos com balões de ar para festas infantis, foi vendido no ano passado por US$ 58,4 milhões, o preço recorde para uma peça de artista vivo. O Pompidou mostra uma versão em magenta da escultura, com sua superfície impecável refletindo gelidamente as de "Moon" [lua], azul, e "Hanging Heart" [coração suspenso], vermelho, os três parte da mesma série, "Celebration", iniciada em 1994. As três obras foram emprestadas pela coleção do bilionário empresário francês François Pinault.

Mesmo assim, Paris não é Manhattan, e é especialmente importante aqui observar a marca mundial de Koons à luz da História. Por acaso, uma retrospectiva de Duchamp está sendo realizada ao lado da retrospectiva de Koons, também no Pompidou, museu que abriga igualmente o ateliê de Brancusi. Assim, o reluzente "Rabbit", uma versão metálica de um coelhinho inflável de plástico que deu início ao zoológico metálico de Koons, em 1986, encara diretamente as refinadas esculturas metálicas de pássaros de Brancusi, que a peça pretende parodiar. De forma semelhante, os aspiradores de pó imaculados e envoltos em plexiglass de "New Hoover Convertible", com seus orifícios de sucção sugestivos e tubos inflados –a série que valeu fama a Koons nos anos 80– assumem seu lugar como descendentes dos objets trouvés de Duchamp, a exemplo do curvilíneo "Fountain" e de "Bottle Rack", uma fileira fálica de garrafas, e contrastam com a noiva gélida e eroticamente inacessível de Duchamp em "Large Glass".

O contexto faz diferença porque Rothkopf propõe que "é possível contar quase toda a história da arte de Koons pela lente dos objets trouvés". Ele começou em 1979, com brinquedos infláveis reais montados sobre espelhos, e com a reluzente "Toaster" [torradeira], afixada a uma parede de néon; fusões inteligentes entre o minimalismo –Smithson, Judd, Flavin– e o brilhareco pós-pop, que já demonstrava o talento de Koons para o que Rothkopf descreve como "amplificar a natureza essencial de um objeto pelo uso de alguma coisa como moldura, com força muito maior que a conferida por um pedestal".

Pelo resto de sua carreira, Koons elaborou esse gesto inicial: exagerar a aura de coisas simples e comuns, engrandecendo-as em forma de obras de arte, com o uso de materiais cada vez mais caros, e oferecendo-as de volta ao 1% como os bens de status definitivos. O que temos no caso dele é o objet trouvé anabolizado; o movimento antimercado de Duchamp com "Fountain" transformado, de uma penada, em estética de mercadoria genérica.

O Pompidou revela o drama irônico de excesso e simulação com o qual Koons, nos anos 80, desenvolveu séries sucessivas de objets trouvés hiper-realizados, falsamente fabricados, todos lançados com campanhas de publicidade em forma de cartazes; o "Baccarat Crystal Set" de aço inoxidável, e "Ice Bucket" [balde de gelo], da série "Luxúria e Degradação"; "Louis XIV", uma cópia de uma cópia de um busto real, da série "Statuary"; os ornamentos baratos grotescamente ampliados como o porco ladeado de anjos em "Bear and Policeman", da série "Banalidade".

Será que Koons aprendeu, no período em que trabalhou em Wall Street como operador, a lançar essas bugigangas de edição limitada em forma de novas commodities, promovendo uma escalada nos custos de produção com os materiais cada vez mais luxuosos de cada série, como uma sequência de empreitadas especulativas? Ou será que seu instinto de santificar o kitsch e o cafona emergiu das lembranças da loja de decoração residencial de seu pai, a Henry J Koons Decorators, onde, como narra Rothkopf, "ele testemunhou em primeira mão o poder das mercadorias para contar histórias e seduzir"?

Certamente, à medida que as peças da mostra avançam em direção ao século 21, fica claro que o apelo de Koons à regressão ("o estado mais elevado do ser é a aceitação") depende do recurso cada vez mais repetitivo ao gosto infantil. Trix Rabbit de olho no sorvete em "Loopy", da banal série de colagens foto-realistas "Easyfun-Ethereal", ou a lagosta de alumínio multicolorido de "Lobster", cujos detalhes reforçam a impressão de um brinquedo de borracha de piscina infantil, evocando o mundo da criança, o mundo anterior ao surgimento da discriminação.

Enquanto o mercado o enriquecia e aceitava, Koons foi inchando, e suas duas séries mais recentes, "Antiquity" e "Gazing Ball" são tediosos exercícios de autoimitação. "Baloon Venus" combina a linguagem de suas obras infláveis às formas arcaicas da Vênus de Willendorf. Réplicas desproporcionais em gesso de figuras clássicas - "Farnese Hercules", "Ariadne" - trazem esferas de vidro brilhante como balões, destinadas, não mais e não menos, a servir à mesma função dos ornamentos de jardim que incorporaram, mas para os bem cuidados gramados dos moradores ricos dos subúrbios.

"Ele diz que se você for crítico demais, já está fora do jogo", disse o marchand que representa Koons, David Zwirmer, quando do lançamento dessas tolices repetitivas, no ano passado. O poder do dólar serve em alguma medida para explicar por que o papo macio de vendedor usado por Koons –"quando as pessoas fazem julgamentos, elas se fecham a todas as possibilidades em torno delas"– não é tomado pelo que é: uma reversão do espírito de abertura intelectual que permitiu que a arte florescesse desde o Iluminismo. E é evidente por que Koons, como qualquer empreendedor que se vangloria de um monopólio sobre um mercado de luxo, orienta sua fábrica a produzir uma quantidade rigorosamente controlada de bobagens de alto preço e alta tecnologia. Menos óbvio é o motivo para que essa moeda de troca dos muito ricos deva interessar aos demais de nós, ou por que museus e críticos a endossam.

De acordo com o Pompidou, Koons é "l'artiste le plus radical de son époque". Em sua resenha da mostra no Whitney, Peter Schjeldahl, da "New Yorker", definiu Koons como "o artista símbolo do mundo atual", acrescentando que "se você não gosta disso, reclame com o mundo". Sob essa leitura, Koons está acima da crítica: um realista em uma era que abandonou o idealismo e a esperança. Rothkopf conclui, da mesma forma, que as obras de Koons "tiram o máximo que podem do mundo em que vivem, e oferecem em troca um poderoso retrato dele. Podemos pedir mais da arte, mas duvido que o encontremos".

Mas, oh, sim, encontraremos: basta descer a escada rolante e ir às alas dedicadas a Duchamp e Brancusi, para começar. Tudo que está proibido na terra de Koons –eloquência e experimentação, mistério e significado, poesia e tragédia, delicadeza e dúvida– ganha vida ali.

E o mesmo se aplica a outra verdade sobre Koons. O que ele realmente tem em comum com as narrativas voyeurísticas reprimidas de Duchamp em "Large Glass" e "Etant Donnés" não é a inventividade ou a anarquia, mas - dos aspiradores de pó imaculados dos anos 80 às frígidas "Gaze-Balls" de 2013 - um leitmotif de frustração, sexual e econômica. Ele mostra o que acontece quando dinheiro e celebridade se tornam marcos da cultura. Não é bonito.

Jeff Koons, Centro Pompidou, Paris, até 27 de abril centrepompidou.fr

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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