Folha de S. Paulo


Washington terá Museu da Bíblia

Pesquisa realizada pelo instituto Pew Research Center, no início deste ano, revelou que 43% dos americanos não votariam em um ateu para presidente.

O resultado confirma a persistente força da religião no país -que encontra nos descrentes e nos novos ateus um polo para disputas e proselitismos que muitas vezes chegam a ser caricatos.

A ex-candidata a vice-presidente dos EUA, Sarah Palin, por exemplo, espécie de musa do movimento ultraconservador Tea Party, representa muito bem essa dimensão "folclórica" dos embates entre os dois lados.
No ano passado, ela lançou um livro intitulado "Good Tidings and Great Joy: Protecting the Heart of Christmas" (boa nova e grande alegria: protegendo o espírito do Natal). Trata-se de uma tentativa de reagir a uma suposta "guerra contra o Natal". Algumas escolas em Estados e cidades mais liberais do país têm retirado os tradicionais presépios de cena, substituindo-os por figuras ecumênicas e mensagens "neutras" -e muitos se referem à data como "o feriado".

A militância religiosa conservadora também ganhará em breve uma referência icônica na capital americana. A família Green, que controla a rede de lojas de artesanato e materiais de pintura e escultura Hobby Lobby (faturamento de US$ 3 bilhões anuais), decidiu criar um museu dedicado à Bíblia, a ser inaugurado em 2017.

Os Green compraram em 2012 um minishopping de decoração em Washington por US$ 50 milhões, a apenas duas quadras do Mall, a versão local do Eixo Monumental brasiliense, onde estão o Congresso americano e os principais museus dedicados a contar a história do país.

A reforma do prédio de oito andares, que receberá novos pisos envidraçados no topo, mais a coleção de 40 mil peças devem sair por US$ 800 milhões -mais do que alguns dos estádios construídos no Brasil para a Copa.

O patriarca David Green, que teve a ideia do museu, coleciona torás, ícones judaicos e cristãos, manuscritos milenares e peças arqueológicas do Oriente Médio. Um dos curadores revelou ao jornal "The New York Times" que a coleção contém um Livro dos Salmos original em papiro e alguns dos primeiros textos do Novo Testamento em aramaico.

Numa apresentação, no ano passado, Green usou hologramas para retratar passagens bíblicas e telas em 3D para simular uma "experiência na Arca de Noé". Na ocasião, o empresário disse que os Estados Unidos "estão em perigo por sua ignorância sobre o que Deus nos ensinou".

Com sede em Oklahoma, no Meio-Oeste, e 572 lojas pelo país, o negócio familiar por trás do Museu da Bíblia dominou o noticiário americano em junho, por uma ação contra o governo Obama.

A empresa se negava a cobrir os custos de anticoncepcionais de suas funcionárias, como previsto pelo plano universal de saúde. O caso chegou até a Suprema Corte. Por cinco votos a quatro, o tribunal deu ganho à Hobby Lobby, que se viu livre de financiar "cobertura de algo que vai contra as convicções religiosas" dos proprietários.

Foi mais uma derrota colecionada pelo governo Obama.

RAUL JUSTE LORES, 38, é correspondente da Folha em Washington.


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