Folha de S. Paulo


Brigitte Bardot aos 80 anos: sempre ousada, franca e controversa

Desde sua primeira aparição pública, em 1950, Bardot, ícone das telas que deu as costas à fama cinematográfica, convive com o escândalo

A mulher que a revista "Paris-Match" descreveu como "imoral da cabeça aos pés" em 1958 completa 80 anos hoje. A "mulher mais bonita do mundo" pode ter optado por abandonar a carreira em 1973, no pico de sua fama e beleza, para dedicar a vida aos animais, mas Brigitte Bardot nunca deixou de ser uma figura controversa.

Algumas histórias bastam para explicar. Na noite de 7 de dezembro de 1967, Paris aguardava com a respiração suspensa: Charles de Gaulle e Brigitte Bardot estavam por se encontrar pela primeira vez. "Le général" havia convidado a estrela de cinema a visitá-lo no palácio do Eliseu. E, em uma violação chocante do protocolo do palácio, que na época proibia que mulheres usassem calças como traje noturno, Bardot chegou vestida de hussardo da era napoleônica. Com galardões dourados e mais de uma dúzia de fileiras de botões reluzentes sobre o busto, ela trazia os longos cabelos loiros soltos por sobre os ombros, e os olhos maquiados com forte delineador preto. O mordomo chefe do palácio deve ter suado frio quando a viu subindo as escadas naqueles trajes. A estrela e o general se encontraram nos degraus. Foi ela que falou primeiro: "Bonjour, mon général", disse Bardot, um tanto tímida. De Gaulle, fingindo inspecionar o dólmã que ela vestia, respondeu: "De fato! Madame!" "Panache" é o termo que descreve bem a atitude que os dois exibiram abundantemente ao longo de suas vidas, ainda que de modos e em circunstâncias muito diferentes.

Ao contrário das outras deusas das telas de sua era, como Gina Lollobrigida e Sophia Loren (que completou 80 anos no último dia 20), Bardot não era uma garota de classe operária. Vinha de uma família muito burguesa, de católicos muito devotos, que vivia em um apartamento de sete quartos no elegante 16º arrondissement de Paris, não distante da Torre Eiffel. Tendo estudado balé por três anos, a partir dos 13, no Conservatoire de Paris (sua colega de curso, Leslie Caron, seria mais tarde selecionada por Gene Kelly para estrelar com ele a obra-prima do Technicolor "Um Americano em Paris"), Bardot desenvolveu a postura e o caminhar elegante que não demorariam a fascinar o mundo.

Em 8 de março de 1950, aos 15 anos, Bardot apareceu na capa da revista "Elle", e o eixo do planeta se deslocou. Lá estava o epítome da graça e estilo. Ela era recatada, católica, repleta de curvas mas com um corpo forte e musculoso; uma forma de atleta construída por meio de sessões intensas de entrechats. Bardot usava vestidos de algodão sem forros elaborados ou estruturas restritivas, e biquínis estampados de cores fortes. Com Françoise Sagan, que escreveu o best seller "Bom Dia, Tristeza", aos 17 anos, ela compartilhava de um sorriso provocante, um olhar inteligente e dos verões descalços de Saint Tropez. Eram as brilhantes meninas prodígio da França. Depois da "aposentadoria" prematura de Bardot como atriz, Sagan escreveu um livro sobre ela, em 1975: a um só tempo celebração e despedida. "Bardot não se desculpava por seu absoluto triunfo, em um momento no qual tantos outros se desculpavam por suas meias-vitórias".

A inocente "jeune fille" cresceu e, em poucos anos, se tornou símbolo sexual. Em 1957, aos 23 anos, fez história cinematográfica com "E Deus Criou a Mulher", o seminal filme de seu marido Roger Vadim, no qual sua explosiva sensualidade é graciosa como de hábito, sem jamais resvalar para a crueza. Em uma cena famosa, ela dança como se estivesse em transe, descalça, a pele reluzente de suor, os cabelos soltos, desarranjados. Suas coxas, de bailarina, são bronzeadas, fortes, musculosas. Ela está tão longe da imagem ordeira e construída das estrelas de Hollywood naquela era que, quando o filme foi lançado nos Estados Unidos, causou indignação em escala continental. Ver aquelas gotas de suor enlouquecia os homens norte-americanos. Os dirigentes de cinemas que ousaram exibir o filme terminaram processados, e ele foi proibido em alguns Estados; artigos nos jornais denunciavam a depravação daquilo tudo. Como resultado, "E Deus Criou a Mulher" se tornou sucesso ainda maior de bilheteria e o controvérsia ajudou a promovê-lo ainda mais na Europa.

Os defensores da moralidade pediam que Bardot fosse proibida, como se ela fosse alguma forma de droga ilegal. O apelo de Bardot, de fato, é diferente de qualquer outro. Tendo por base sua grande beleza, uma combinação de sensualidade voraz e grande estilo, ela também fascinou pelo menos duas gerações por conta de seu estilo de vida. Pois Bardot se comportava exatamente como um homem, em sua vida pessoal. Não respeitava restrições; não se sentia compelida a seguir convenções. Não queria ser esposa e mãe. Tentou as duas coisas, casou-se quatro vezes e teve um filho, mas decidiu que não havia sido feita para aquilo. Não é que Bardot estivesse se rebelando contra alguma coisa; estava só sendo quem era. Nos anos 50, 15 anos antes da voga revolucionária de 1968, comportamento como o dela era tanto fonte de escândalo quanto de aspiração secreta para muitas mulheres. Em um estudo sobre Bardot publicado em 1959, aquela outra mulher francesa que vivia sua vida desrespeitando convenções, Simone de Beauvoir, reconheceu a "absoluta liberdade" de Bardot. Seu estilo de vida, para muitos admiradores, era como que um manifesto filosófico.

Marie-Dominique Lelièvre, autora de numerosas biografias, diz que dos muitos astros a que voltou sua atenção, de Yves Saint-Laurent a Coco Chanel, passando por Serge Gainsbourg e François Sagan, Bardot tinha a mais complexa personalidade, e usava sua celebridade como uma cortina de fumaça. "Ela foi a primeira mulher a ter sua liberdade sexual publicamente exibida", disse Lelièvre. "Antes de Bardot, uma mulher que trocasse de amante pelo menor capricho era chamada de vagabunda, de 'salope'. Depois de Bardot, ela simplesmente passou a ser vista como 'libérée'. Ao contrário das atrizes de Hollywood, que respeitavam as regras, Bardot ditava as suas. Atraía mulheres que queriam ser como ela, e homens que simplesmente a queriam". John Lennon, completamente encantado por Bardot, tinha um pôster gigantesco com uma foto dela no teto de seu quarto. Gainsbourg compôs uma canção para ela chamada "Initials BB", depois que eles romperam em 1968, na qual ele canta: "Até o alto das coxas sobem suas botas, e é como cálice para sua beleza; ela usa só um perfume de Guerlain nos cabelos".

Hoje, Bardot continua a ser ícone. "Kate Moss e Amy Winehouse devem muito a ela", explica Lelièvre. E Bardot sempre foi um ícone controverso. Ao contrário de Faye Dunaway, Loren e Catherine Deneuve, e de quase todas as demais beldades cinematográficas de sua estatura, Bardot jamais recorreu a cirurgias cosméticas. "Ela nunca evitou o olhar cruel do espelho. Suporta o envelhecimento com classe", diz Lelièvre. Mesmo assim, nem tudo vai bem na terra de Bardot. Depois de viver por décadas como reclusa em suas duas propriedades em Saint Tropez, incapaz de sair sem ser incomodada por fãs e paparazzi, ela desenvolveu, diz sua biógrafa, "uma visão de mundo bastante distorcida", e se concentra apenas em sua fundação para a proteção e bem estar dos animais. Oposta ao que vê como crueldade inerente ao processo halal de abate de animais, ela fez comentários antimuçulmanos pelos quais foi condenada nos tribunais franceses e forçada a pagar multas salgadas. Entre 1997 e 2008, ela encarou os juízes franceses em cinco ocasiões, sob acusações de "incitar o ódio racial". Na última delas, foi multada em 15 mil euros. Bardot foi condenada por declarar que "estou cheia de viver sob o controle dessa população [a comunidade muçulmana] que está nos destruindo, destruindo nosso país e impondo seus atos". Ela estava se referindo ao fato de que o método ritual muçulmano não inclui anestesiar os carneiros antes do abate. "Os animais são sua vida, e sendo a mulher espontânea que é, ela não consegue guardar suas opiniões para si. Não compreende que, por ser Bardot, suas palavras portam certo peso. De diversas maneiras, ela continua a ser uma criança irrefletida e egocêntrica", diz Lelièvre.

E há também a questão de seu aparente flerte com a Frente Nacional. Mas, de acordo com Lelièvre, a dimensão de sua simpatia pela extrema direita pode estar sendo superestimada. "O marido de Brigitte Bardot é amigo de Jean-Marie Le Pen, mas nem ele e nem ela são membros do partido. Bardot não é racista e nem ativista de extrema direita". De fato, diz Lelièvre, qualquer tentativa de classificá-la é fútil: "Bardot é Bardot, e desafia definições".

O currículo de Brigitte Bardot
Nascida em 28 de setembro de 1934; seu pai, Louis, era engenheiro. Ela estudou balé no Conservatório de Paris e começou a trabalhar como modelo aos 14 anos.

Carreira: Lançada à fama em 1956 depois de aparecer se retorcendo na praia em "E Deus Criou a Mulher", um filme que se tornou cult, ela estrelou 47 filmes. Aposentou-se em 1973, "cansada" da fama e desejosa de dedicar sua vida aos animais.

Família: Casou-se com o cineasta Roger Vadim aos 18 anos, e se divorciou cinco anos mais tarde. Depois, se casou com o ator Jacques Charrier, com quem teve seu único filho, Nicolas. Mais tarde, se casou com o milionário alemão Gunter Sachs. Em 1992, se casou com Bernard d'Ormale, ex-assessor da Frente Nacional, o partido francês de extrema direita. Em 2012, apoiou a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, na eleição presidencial francesa.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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