Folha de S. Paulo


Em Nashville, a capital do vinil, nostalgia dá lucro

Taylor Swift e Beyoncé estão entre os cantores que estão recorrendo ao velho formato LP para capturar a essência de sua música

"Essa é a mãe, a chapa mãe metálica", diz Jay Miller, contemplando um disco prateado brilhante na oficina da United Record Pressing, em Nashville. "E é com a mãe que tudo começa".

Há 50 anos, a United produziu o primeiro single dos Beatles nos Estados Unidos e dezenas de sucessos da Motown, seguidos por incontáveis compactos e LPs em 45 e 33 rotações ao longo dos anos 70 e 80. Hoje, mais de duas dúzias de prensas da época produzem álbuns, em uma exibição ruidosa e de alta rotação de uma tecnologia secular que não só se recusa a morrer mas está cada vez mais viva. Nashville pode se definir como a capital mundial do vinil, e a indústria de música da cidade está batalhando para se manter à altura da demanda.

A United Pressing é a maior estampadora de vinil dos Estados Unidos, e tem um relacionamento estreito com a Third Man Records, a gravadora que Jack White comanda ali perto, bem como com a florescente cena da música analógica na cidade.

No ano que vem, a companhia colocará em operação 16 outras prensas que devem elevar sua produção diária a 60 mil discos. Millar, o diretor de marketing, não diz onde encontrou as prensas - a fabricação de discos de vinil foi interrompida no começo dos anos 80, e a concorrência por prensas surge dos quadrantes mais inesperados. As últimas máquinas capazes de cortar uma chapa mãe metálica - o carimbo que imprime o disco de vinil - foram adquiridas em um leilão pela Igreja da Cientologia, cujos seguidores acreditavam que a melhor maneira de preservar para a posteridade os discursos de seu mestre, L Ron Hubbard fosse gravá-los como LPs.

Os cientologistas não são os únicos a retornar ao vinil. Depois de anos de dolorosas guerras de formatos que reduziram à metade as dimensões do setor de música, os consumidores parecem ter tomado uma decisão. As vendas de CDs e downloads de faixas em formato MP3 estão em queda, e os serviços de música em formato stream e as vendas de vinil estão crescendo. "Com isso, agora temos o digital, o pico da conveniência, e o vinil, o pico da experiência", diz Millar. "Estamos trabalhando 24 horas por dia, seis dias por semana, e não conseguimos atender à demanda". Na metade de junho, as vendas de discos em vinil nos Estados Unidos haviam subido em 40% ante o mesmo período um ano antes, e devem facilmente superar os seis milhões de discos vendidos em 2013. Vale lembrar que, em 2007, as vendas de vinil mal chegaram ao milhão de unidades.

É compreensível que os audiófilos analógicos de Nashville, como Jack White ou os Black Keys, desejem apresentar seu trabalho em vinil, mas agora até mesmo artistas pop convencionais como Taylor Swift e Beyoncé desejam oferecer sua música em formato LP. A demanda é tão grande que o prazo para produção dobrou para 12 semanas, e as gravadoras agora não marcam data de lançamentos para seus álbuns antes de saberem quando o vinil estará disponível.

Se existe um álbum que veio a simbolizar o boom do vinil é o recente "Lazaretto", de Jack White, LP mais vendido do ano. Repleto de novidades, entre os quais um lado que toca do centro para a borda, "Lazaretto" vendeu 40 mil cópias na semana de seu lançamento, em junho, mais que qualquer outro lançamento em vinil desde 1991, e continua a vender duas mil cópias por semana.

A Third Man Records, estabelecida inicialmente para lançar em vinil o catálogo dos White Stripes, é emblemática da retomada da música em Nashville, que hoje abriga enérgicos cenários de rock e psicodélicos. Ela é prova da obsessão de Jack White quanto ao som.

Neil Young gravou seu recente "A Letter Home" em uma engenhoca que parece uma cabine telefônica, posicionada perto da entrada da gravadora. Há uma máquina que produz diretamente versões em acetato de uma gravação, oriunda da King Records, a gravadora de James Brown em Cincinatti; um armário de vidro no qual macacos de brinquedo dançam ao som de novos lançamentos. As paredes são vermelhas em uma direção, e amarelas na outra. Mulheres esbeltas, usando os uniformes amarelos e pretos da Third Man, andam de um escritório a outro. Há diversos bichos de pelúcia grandes, entre os quais um que parece um iaque."Na verdade, é um tahr", diz Ben Swank, que em companhia de Ben Blackwell serve como consultor de operações para Jack White. Os três juntos arquitetaram a campanha "seu toca-discos não morreu", da Third Man, e criaram um serviço de assinatura direta que envia álbuns em vinil mensalmente aos assinantes. Desde que se transferiu de Detroit, a cidade de White, para Nashville, em 2007, a Third Man lançou quase 300 discos, a maioria dos quais singles.

"Jack cuida mais das coisas associadas ao folclore americano, Ben e eu mais do punk e do rock. Continuamos a ser predominantemente uma gravadora de compactos, de 45s. Tentamos ser espontâneos. Você tem um master? Vamos lançar", diz Swank.

Com estúdios locais associados a Dan Auerbach e Brendan Benson, do Black Keys, Swank diz que Nashville, uma cidade há muito associada à música country, está ressurgindo como um centro para artesãos. "Existe uma comunidade, aqui - uma coisa de família", diz. "Não é que a gente rejeite as coisas atuais. Mas para nós é mais romântico usar um microfone de fita, uma fita analógica. Há o aspecto de trabalhar com mais afinco por algo que nos ofereça mais valor".

O sucesso de Nashville pode ter a ver com o conservadorismo inerente da cidade. A música country, por exemplo, continuou a usar gravadores de oito pistas muito depois que outros gêneros abandonaram esse formato e, como sobreviventes em um filme de apocalipse nuclear, os estúdios de gravação e masterização nunca foram desmontados. "Estamos num lugar muito favorável", diz Swank. "As pessoas ainda desejam objetos com personalidade".

Mas existe alguma ansiedade residual quanto à possibilidade de que a retomada do vinil seja passageira. "Tudo volta uma vez antes de desaparecer para sempre", diz Bill Flanagan, do canal de música VH1. "Se isso é só nostalgia ou uma coisa de elite, e dos hipsters, onde nos veremos dentro de 10 anos? Pode ser o último suspiro de uma cultura moribunda, antes que todos sejamos sugados para a nuvem [digital]".

Enquanto isso, a demanda por vinil não mostra sinal de queda. A cada ano, por volta do Dia da Loja de Discos, no terceiro sábado de abril, as pessoas perdem a calma por conta de dificuldades de produção, com bandas e gravadoras se queixando de que não conseguem estampar seu material e trocando acusações de sabotagem. Desconsiderados os gargalos de produção, é significativo que alguns dos maiores compradores de discos em vinil hoje sejam grandes cadeias de varejo. Além disso, as limitações físicas do vinil - dois lados, 20 minutos de música em cada um - estão forçando um retorno à competência artesanal perdida com os CDs de 70 minutos ou com as faixas isoladas para venda na iTune. Chris Mara, do Welcome to 1979, um estudo que só trabalha com gravações analógicas, diz que os artistas querem criar músicas em forma de álbum, e que se dispõem a voltar no tempo para isso.

O segundo negócio de Mara é reparar gravadores de 24 pistas, e também quanto a isso ele jamais esteve tão ocupado. "As bandas nos procuram porque querem gravar do jeito difícil", diz Mara. "Querem poder dizer a si mesmas e aos fãs que essa é a banda. Que essa é sua arte, e eles tocaram todas as notas gravadas, naquele lugar".

A questão é determinar se o lado industrial conseguirá atender à demanda. Millar acredita que sim - chapas mãe, fitas master, tanques de revestimento, laqueação, todo o processo. "O revival aconteceu e agora estamos subindo de marcha. O vinil não vai desaparecer. Talvez a demanda chegue a um pico, um dia, mas isso não estará relacionado à forma, mas ao conteúdo. Por enquanto, é um bom lugar em que estar".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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