Folha de S. Paulo


Possível é, mas será o melhor?

A julgar pelo rótulo, a refeição é completa: carboidratos, proteínas, lipídios, sais minerais (ferro, cálcio, sódio, potássio, zinco, fósforo e magnésio), vitaminas e ômega-3 estão lá. Mas o pó que promete ser o substituto perfeito da comida está longe de ser equilibrado, segundo especialistas em nutrição.

"Faltam fibras e antioxidantes", diz a nutricionista funcional Daniela Jobst. "Há muita gordura e proteína. Atenção aos rins", aponta o nutrólogo Celso Cukier, médico do Hospital São Luiz e diretor do Instituto de Metabolismo e Nutrição.

Alex Cerveny

Também questionam: o produto é seguro a longo prazo? Pode causar carência ou excesso de algum nutriente? Pode levar a algum desequilíbrio na microbiota intestinal?

"Não há respaldo científico para sabermos quais são os riscos e benefícios do produto", diz Jobst.

Apesar das ressalvas quanto ao conteúdo do produto, eles dizem que viver à base do preparado é perfeitamente possível e viável.

Na verdade, já há muita gente fazendo mais ou menos isso há pelo menos duas décadas, lembra Cukier. "A história de como o Soylent foi criado e essa nova roupagem são bonitinhas, mas isso não é exatamente novo", diz.

Pessoas que não podem se alimentar, por diversos motivos -como um AVC (acidente vascular cerebral), um grande trauma, um tumor obstrutivo do esôfago ou do estômago, complicações após uma cirurgia intestinal, uma desnutrição severa, para citar alguns-, alimentam-se de um combinado bastante similar ao produto desenvolvido por Robert Rhinehart, lembra o nutrólogo, seja através da boca, de sonda nasal ou direto na corrente sanguínea.

As fabricantes dessas dietas especiais, que existem em várias formulações, para diferentes necessidades nutricionais, incluem as gigantes Nestlé, Danone e Abbott.

Não é incomum, porém, que ocorra a falta ou o excesso de algum nutriente em quem se alimenta dessa maneira. Por isso, aqueles que vivem à base de um preparado -por pura necessidade, e não praticidade- devem ter seu estado nutricional constantemente acompanhado por um médico, diz Maria do Carmo Passos, professora de gastroenterologia da faculdade de medicina da UFMG. O ideal é que os consumidores de Soylent fizessem o mesmo, por garantia.

"A questão é que quem é nutrido assim, e há muita gente vivendo por anos dessa maneira, constantemente sente saudade de uma comidinha gostosa, do churrasco, da lasanha", diz Cukier. "As pessoas não querem apenas sobreviver."

O prazer em comer e em se reunir para comer talvez seja o grande empecilho para o sucesso de Soylent. O problema, dizem, não está apenas na composição do produto.

Propostas de dietas à base de shakes ou sopas que seguem a mesma rotina sem graça e não deram muito certo dão dicas de como é difícil dizer adeus à comida por muito tempo.

"Salivamos só de ver uma comida gostosa. Temos um desejo muito forte pelo salgado, pelo doce, pelo apimentado, pelas diferentes consistências. Nutrir-se de um líquido que tem sempre o mesmo sabor e a mesma textura é uma opção possível, sim. Mas será que é a melhor?", questiona Passos.

MARIANA VERSOLATO, 29, é editora-assistente de "Ciência+Saúde".

ALEX CERVENY, 50, artista plástico, lança o livro "Labirinto" (Laranja Original), com poemas de Beatriz di Giorgi, no dia 14/8, às 18h30, na Livraria da Vila - Fradique.


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