Folha de S. Paulo


Vivienne Westwood: "Faço coisas que irritam as pessoas"

A estilista e ativista de 73 anos fala do que a motiva, da última vez que chorou e da razão pela qual come tanta alface

Houve uma época em que eu era antirreligiosa. Não sou mais. O conceito de Deus e do divino é muito importante. O ser humano tem o potencial de evoluir e tornar-se mais e mais maravilhoso porque tem essa perfeição como meta.

Faço coisas que irritam as pessoas. Vivo economizando coisas, mandando as pessoas fecharem as torneiras. Antigamente meu marido, Andreas, saía do sério comigo, mas ele melhorou muito. Algumas pessoas abrem a torneira antes mesmo de colocarem a pasta de dentes sobre a escova. Eu só uso um pouquinho de água no final.

Não choro desde a época em que vivia com Malcolm [McLaren, seu ex]. Malcolm precisava me ver chorar todos os dias. Não conseguia sair de casa sem tentar me deixar chateada. Então parei. Sinto inveja das pessoas que conseguem chorar.

Nasci numa época boa para tentar entender o mundo. Tenho consciência de coisas que alguém que vivesse cem anos atrás não teria, como o fato de que a raça humana pode sofrer a extinção em massa em pouco tempo, se não fizermos alguma coisa. Durante a guerra, as coisas eram preciosas; quando eu era criança, não consumíamos o tempo todo. E, felizmente para mim, o sistema de ensino ainda não tinha desabado.

Gonzalo Fuentes-1.mar.2014/Reuters
Vivienne Westwood e seu marido Andreas Kronthaler (dir.) no fim do desfile de sua coleção Outono/Inverno 2014, em Paris
Vivienne Westwood e seu marido Andreas Kronthaler (dir.) na Semana de Moda de Paris

Minha comida favorita é alface. Andreas e eu comemos uma alface por dia, em média. Faço um molho de salada ótimo, muito simples. Alho, azeite, limão, um pouco de açúcar e um pouco de caldo em pó –cada vez é diferente. A gente adora.

O caráter está presente desde o nascimento. O modo como meus filhos me olharam quando nasceram é o mesmo como me olham hoje. Meus filhos são pessoas honradas. Eles realmente nunca dariam uma rasteira em ninguém.

O mundo já esqueceu mais do que sabe. O consumo é jogar fora o passado. Mas, para nos engajarmos com o mundo, precisamos nos engajar com o passado, por meio da arte e da leitura. Isso nos proporciona uma crítica de nossas próprias vidas, e a gente se dá conta: "Não estou fazendo nada. O ser humano é capaz de coisas incríveis, enquanto eu só fico sugando."

Nunca mais vou votar no Partido Trabalhista. A não ser que ele trace um programa econômico verde para valer. Depois de Blair nos levar ao Iraque, falei que votaria no Partido Conservador. Ultimamente ando votando no Partido Verde –é o único a dizer algo diferente. O Ukip (Partido da Independência do Reino Unido) é igual aos outros –só que não gosta de elefantes, ao que parece.

Stella McCartney e eu queremos fazer mais campanhas juntas. Ela acaba de assinar nossa carta exigindo que o governo não siga adiante com o fraturamento hidráulico enquanto a população não for informada sobre os fatos.

Tenho que gostar –esse é o único critério que sigo como estilista.

Meu herói ativista é Julian Assange. Ele já fez mais que qualquer outra pessoa para afetar a opinião pública. A maioria das pessoas não acha que são elas que precisam realizar mudanças –pensam que as mudanças vão acontecer, de alguma maneira.

Passei muito tempo evitando minha biografia. Mas Andreas me convenceu a escrevê-la. Algumas pessoas acham importante contar o passado delas a você, mas eu não vivo no meu passado nem penso muito nele.

A estilista deve lançar em outubro deste ano sua biografia, coescrita por Ian Kelly ("Carême, Cozinheiro dos Reis", Zahar), pela editora Picador.

Tradução de CLARA ALLAIN


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