Folha de S. Paulo


Um caminho muito longo de uma tela de Lasar Segall

São Paulo, 1954

O resgate da tela "Eternos Caminhantes", que estava em poder dos nazistas, foi uma vivência que me marcou muitíssimo.

Em 1954, Lasar Segall soube por meio de um marchand francês, Emeric Hahn, da sobrevivência de sua obra, de 1919. A emoção que essa notícia causou é indescritível. Eu estava casada com seu filho Oscar, e a descoberta envolveu a todos nós da família.

Essa obra, um dos melhores exemplos do expressionismo construtivo de Segall, havia sido comprada em 1920 pelo Museu da Cidade de Dresden, dirigido na época por Paul Ferdinand Schmidt. Tínhamos conhecimento de que ela teria sido confiscada pelo governo "nacional-socialista" que passou a vigorar na Alemanha em 1933, sob o comando de Adolf Hitler.

Em 1937, em Munique, duas grandes exposições foram abertas ao público. A primeira, doutrinava o povo alemão sobre o que era, de fato, arte. A segunda, inaugurada a 500 metros da outra, deveria causar repulsa à arte moderna, ou "degenerada". As obras que participaram dessa segunda mostra foram presumivelmente destruídas.

Durante a Segunda Guerra, essa tela e milhares de obras de expressionistas alemães foram confiscadas e transferidas para depósitos públicos. Foi muito gratificante para a família saber que teria sido encontrada no sótão de um oficial nazista, onde estava escondida.

Divulgação
A tela
A tela "Eternos Caminhantes", de Segall, de 1919, que figurava na lista de arte degenerada dos nazistas

Após a morte de Lasar Segall, dona Jenny, sua viúva e, àquela época, minha sogra, lançou-se na batalha da divulgação de sua obra. Com o apoio do Itamaraty, organizou uma mostra itinerante pela Europa e Israel, da qual participei, em algumas etapas.

Já pensando no futuro acervo museológico, dona Jenny chegou a anunciar o interesse de aquisição de obras expressionistas na Europa. A compra de "Eternos Caminhantes", em 1958, foi muito significativa, pois passaria a integrar o acervo do museu que levaria o nome do artista.

Mais tarde, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, homenageando os dez anos de morte do pintor -Lasar Segall morreu em 2 de agosto de 1957-, fez uma grande exposição com as obras que voltaram da mostra itinerante. No mesmo ano, após a morte de dona Jenny, inaugurava-se o Museu Lasar Segall, em 21 de setembro de 1967.

O testemunho vivo da atrocidade na época da guerra está no documentário de Peter Cohen, "Arquitetura da Destruição", que Leon Cakoff trouxe para a 16ª Mostra de Cinema de São Paulo. No filme, a tela "Eternos Caminhantes" aparece em destaque, junto a outras obras consideradas degeneradas, a caminho da destruição. Como disse Cakoff, "os nazistas tinham como um de seus principais fundamentos a missão de embelezar o mundo. Nem que, para isso, destruíssem todo o mundo".

Até setembro próximo, "Eternos Caminhantes" é um dos destaques da mostra "Degenerate Art: the Attack on Modern Art in Nazi Germany" na Neue Galerie, em Nova York. São mais de 50 obras confiscadas pelos nazistas durante anos, entre elas trabalhos de artistas como Paul Klee, Ernst Ludwig Kirchner e Max Beckmann.

RAQUEL ARNAUD, 78, trabalha com arte desde 1968. Uma das primeiras marchandes do Brasil, a paulista comemora 40 anos de galeria neste ano.


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