Folha de S. Paulo


Masturbação: o segredo da vida longa?

Betty Dodson, 85, diz que o autoamor a mantém jovem. Ela conta com uma nova audiência que participa das oficinas que começou a promover nos anos 70

Betty Dodson está de volta. A aposentada que no passado era conhecida como "madrinha da masturbação", graças a "Sex for One", seu best seller de 1973, está reiniciando seus cursos sobre masturbação, em Nova York. Dodson, 85, quer ajudar a geração pós-"Sex and the City" e pós-"Girls" de mulheres, que ela acredita não serem nem de longe tão liberadas quanto supõem. "A maioria delas nem viu sua genitália no espelho. E quando mostrada a elas, a reação é 'eca', ou 'argh'."

O retorno de Dodson entusiasmou uma nova geração de mulheres norte-americanas, muitas das quais estão buscando inspiração nas pensadoras feministas dos anos 70, diante dos ataques renovados aos direitos da mulher. "É, me tornei sucesso instantâneo aos 85 anos", diz Dodson, caindo na risada e me servindo uma dose de vodca. "As pessoas agora dizem AQUELA Betty Dodson."

Nós conversamos em seu apartamento na Madison Avenue, onde ela vive desde 1962. Dodson chegou a Nova York, vinda do Kansas, em 1950, para estudar artes; as paredes de sua sala de estar mostram quadros dela sobre atos eróticos, e a sala também abriga objetos sexuais que ela faz com vidro. Quando realizava orgias lá, nos anos 60 ("toda a mobília é fácil de carregar"), ela percebeu que muitas mulheres estavam fingindo sentir prazer. Suas aulas originais de masturbação, só para mulheres, que ela definia como "bodysex" (sexo corporal), aconteceram aqui, por 15 anos, a partir do começo dos anos 70, com um número ideal de 13 alunas por classe.

Ainda que tenha sido descrita como uma das "pioneiras do feminismo" por Gloria Steinem, ela se sentia deslocada nos grupos de conscientização do período. "Sempre considerei que o sexo fosse uma questão de alta prioridade", ela diz, servindo-se de uísque. "Feministas como Gloria Steinem achavam que isso fosse assunto privado." (Ela ri: "Amo Gloria. Costumava chamá-la de 'a general'".)

Dodson fala palavrões como um marinheiro, e se comporta de modo brincalhão, como um personagem falastrão de Scorsese. Ela tem uma aparência incrível, com um amor pela vida que parece inalterado apesar da idade, e que ela atribui a "masturbação, maconha e alho cru".

Quando você lê "My Romantic Love Wars", o livro de memórias que Dodson publicou em 2010, ela não parece uma pessoa dada a comportamento louco. Em 1959, se casou com Frederick Stern, um diretor de publicidade, e decidiu partir em sua jornada de autodescoberta sexual quando o casamento acabou em divórcio, em 1965.

Ela diz que já tinha 37 anos quando encontrou seu par sexual ideal, Grant Taylor, que tinha 42 anos e era professor de inglês na Universidade de Nova York. Taylor a convenceu de que não tinha os pequenos lábios vaginais deformados, e a apresentou à ideia de "orgasmos eletrônicos" (graças ao massageador elétrico de couro cabeludo que tinha), bem como ao amor não possessivo. "Eu sou viciada em amor romântico, como todo mundo", ela diz, dando de ombros. "É uma doença, não sei outra maneira de descrevê-lo". Ela diz que as feministas muitas vezes são ainda mais culpadas disso do que as demais mulheres. "Têm medo do sexo porque dizem que é controvertido demais. Mas sinto que é porque se sentem conflitadas. Não querem se masturbar, querem conhecer um príncipe encantado. Que coisa mais Walt Disney. Que vômito. Um vômito só".

Na sua primeira festa de sexo grupal no Upper East Side, ela admite que se comportou "como uma Virgem (zodiacal) típica em uma orgia", tirando nervosamente suas calcinhas de renda preta, dobrando-as e as escondendo embaixo de uma cadeira.

Mas agora, depois de 50 anos na linha de frente da revolução sexual, o trabalho de Dodson está sendo redescoberto por uma nova audiência. Algumas das novas adeptas são mulheres jovens, em moda, que parecem ter tudo mas –diz ela– nunca tiveram um orgasmo.

Usualmente elas são tímidas demais para participar de uma aula de bodysex, e optam por aulas privadas. No dia anterior ela havia recebido uma mulher de 25 anos para uma aula de masturbação. "A menina nem fazia ideia do que fazer. Nunca se masturbou quando criança". Dodson diz que suas maiores fãs são as feministas de quarta onda, entediadas com a postura inimiga do prazer que sentem dominar a terceira onda do feminismo. Para elas, a mensagem de Dodson, de redescobrir seu poder conhecendo o corpo e aprendendo a chegar ao orgasmo independente parecem muito mais atraentes do que as reclamações permanentes sobre quem cuida das crianças e sobre a violência sexual.

"Nas oficinas, compartilhamos nosso orgasmo com o grupo, mas cada uma tem o controle de seu clitóris", ela diz, explicando que a aula consiste de "uma aula prática sobre a genitália" seguida por masturbação coletiva. Não é incomum que Betty ajude com seu vibrador.

"Não admira que eu continue a fazê-lo. Você está brincando? Os sons, as imagens, os cheiros. Gordas, magras, sem um peito. As mulheres são muito lindas", ela diz.

Em 2006, Carlin Ross, antiga advogada de grandes empresas, veio visitar Betty (que se define como "heterossexual, bissexual, lésbica") para o seu site. Ross, 41, diz que Dodson era "uma das poucas feministas positivas quanto ao sexo, e isso sempre me intrigou". Ela se lembra de como, no meio da entrevista, Dodson lhe estendeu a mão e disse "vamos ser sócias. Toca aqui".

Ross deixou seu emprego e se tornou a parceira (puramente platônica) de negócios de Dodson e a herdeira aparente de seu império. Ela está organizando um arquivo online com as obras de Dodson e merece o crédito por convencê-la a retomar suas oficinas. O projeto começou devagar no ano passado, e o curso dura um final de semana e custa US$ 1,2 mil. Um programa de ensino para as mulheres que desejem propagar os métodos de Dodson foi criado este ano. "As mulheres me dizem se preocupar por suas fantasias não serem suficientemente feministas. Eu digo a elas que quanto mais sujas e escrotas as fantasias, melhor. Tenho um arquivo inteiro delas. Minhas fantasias são tão imundas que eu iria presa".

O problema, diz Dodson, é que as mulheres "são viciadas demais em amor romântico. É a droga mais pesada do mundo, e tomamos más decisões, e más decisões duradouras, com base nela".

Ela não acredita em monogamia. "Se você se casa, está abandonando o sexo. Pode contar com isso".

Ela diz que "o melhor sexo da minha vida" foi depois dos 70 anos, quando estava "treinando" um jovem de 20 e poucos anos chamado Eric. Depois de 10 anos, ela decidiu que era hora de eles terminarem. "Você precisa deixar que os jovens partam. Não quer se tornar um Hugh Hefner".

A mensagem de Dodson –crie um relacionamento sexual com você mesma, é possível ter orgasmos de primeira ordem sozinha, deixe de fazer o que acha que seu parceiro deseja na cama– parece mais necessária que nunca em uma era em que a "pornografização" da cultura está tornando esses ideais mais difíceis de realizar para as mulheres.

Ao final da entrevista ela se despede com um abraço e me diz: "Espalhe a mensagem!"

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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