São Paulo, teu nome
Urbinácia máxima imperfeita
lençol de eus e meus em multidão
plantada em hastes, a planalticeia:
cidade inventada a cada pessoa.
Teus homens, mulheres e moribundos
vestem a roupa rústica das manhãs
à noite desapertam os calçados da tarde
ora com nuvens, ora sem elas.
Levam às ruas o coração fechado
enquanto os olhares usurpam cores
das feias esquinas à quimera das vitrines
atados estamos ao preço das coisas.
E a matéria vivida coexiste calada
nos cômodos das mesmas casas
soma de tantos gestos e sentenças
manchas úmidas nas paredes gastas.
Quantos insones atravessam a tua noite
acionam os remos largos da madrugada
e no amanhecer fecham os olhos cansados
indiferentes à altivez dos arranha-céus.
Na praça do bairro aparecem as primeiras
crianças -as que se interessam pela terra
acreditam na sombra das árvores
e acolhem faceiras a luz deste dia.
Aos poucos -avenidas, viadutos, prédios
despertam os músculos, os ossos e o rosto.
Novamente o corpo se levanta por inteiro
novelo de artérias sem fim nem começo.
Teu nome, São Paulo, induz ao engano,
tão pouco de ti lembra a santidade.
Felipe Bertarelli/Divulgação | ||
Imagem que integra a série "Túneis Não Mostram o Final" |
FERNANDO PAIXÃO, 58, é professor de literatura na USP e autor de "Palavra e Rosto" (Ateliê).
FELIPE BERTARELLI, 30, fotógrafo, tem exposição em cartaz na Casa da Imagem.