Folha de S. Paulo


De Big Apple a Gran Manzana

Quando publicou um editorial em apoio a Bill de Blasio, o então candidato democrata à Prefeitura de Nova York, o jornal "The New York Times" argumentou que a cidade havia obtido "muitos sucessos" ao longo dos três mandatos consecutivos de Michael Bloomberg (2001-13), mas seu "renascimento" ainda precisava se completar.

A metrópole que enfrentou a criminalidade, reorganizou as finanças, revitalizou bairros e redesenhou espaços públicos continua a conviver com padrões incômodos de desigualdade social.

De Blasio, segundo o "Times", é o homem indicado para "dar voz aos nova-iorquinos esquecidos", os 46% que vivem próximos à linha de pobreza, os milhares que dormem em abrigos públicos, as famílias de baixa renda que não conseguem pagar aluguel e são empurradas para longe na luta pela sobrevivência.

Grande parte da retumbante vitória que De Blasio afinal conquistou (ele é um típico progressista que quer taxar ricos para financiar o ensino público infantil) se deve à comunidade de origem hispânica.

Os considerados brancos, que eram 42% da população nova-iorquina em 1990, são hoje 33% -enquanto os hispânicos já chegam a 29%.

Ouve-se gente falando espanhol em cada esquina, em cada balcão, em cada carrocinha de cachorro-quente.

PINTA

A presença hispânica também é marcante no mundo das artes e da cultura. No fim de semana passado aconteceu a Pinta, a feira de arte latino-americana, que reúne galerias de países do continente, além de americanas, espanholas e portuguesas. O evento, que andou caído nas últimas edições, reapareceu com vigor, num endereço bacana (na r. Mercer, 82), no bairro do Soho.

Em atmosfera intimista, a feira designou alguns curadores que selecionaram artistas e galerias para participar das diversas seções -como arte moderna, arte contemporânea, vídeos e emergentes.

As galerias brasileiras Casa Triângulo e Baró foram convidadas para o "Emerge", setor coordenado pelo colombiano José Roca, curador-
assistente de arte latino-americana da Tate, de Londres. A feira também teve uma programação de debates, dois deles dedicados a nomes brasileiros -os incontornáveis Hélio Oiticica e
Oscar Niemeyer.

Não pude comparecer à mesa que discutiu a obra do artista carioca, mas assisti ao painel sobre nosso arquiteto mais famoso, com a presença de Carlos Brillembourg, da Brillembourg Architects, e de Patricio del Real, curador-assistente do departamento de arquitetura e design do MoMA. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos.

CASA ESPANHOLA

Enquanto isso, o Museu do Brooklyn apresenta até janeiro uma exposição intitulada "Atrás das Portas: Arte na Casa Hispano-Americana (1492-1898)", a primeira grande mostra realizada nos Estados Unidos sobre a vida privada e os interiores das residências da elite espanhola que viveu na América, da descoberta até o fim do século 19.

São cerca de 160 pinturas, esculturas, gravuras, tecidos e objetos de arte decorativa, que remetem o visitante a temas como a representação pictórica dos indígenas, os sinais distintivos da nobreza, o esquadrinhamento da casa e os rituais da vida doméstica.

A convite de Gabriel Pérez-Barreiro, diretor da prestigiada Coleção Patricia Phelps de Cisneros (que cedeu peças para a exposição), tive a oportunidade de participar de uma visita guiada, com o curador Richard Aste. Uma aula.

O império espanhol chegou a ocupar mais da metade do território hoje pertencente aos Estados Unidos -uma longa e tumultuada história, muitas vezes empurrada para debaixo do tapete, que continua a bater à porta do "sonho americano".

SERRA NA GAGOSIAN

Poucas coisas exibidas no circuito de arte em Nova York causam tanta impressão quanto a nova escultura que Richard Serra instalou na galeria Gagosian, na r. 21, no bairro de Chelsea (www.gagosian.com).

São duas peças de aço justapostas, que formam uma estrutura sinuosa de grande escala, com espaços e caminhos internos pelos quais -como em outras obras do artista- as pessoas podem transitar. As dimensões impressionam: as duas "metades" têm 4 metros de altura, e o conjunto alcança 25 metros de extensão por 12,2 metros de largura.

Nascido em San Francisco em 1938, Serra é um dos maiores escultores de nosso tempo, justamente celebrado em todos os quadrantes do planeta.

E, sim, também ele é parte da herança hispânica na América: seu pai, Tony, era um imigrante de Mallorca que foi morar na Califórnia. Hasta la vista, baby.

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES, 57, é jornalista da Folha em Nova York.


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