Folha de S. Paulo


A guerra às drogas no México é uma grande mentira

Em janeiro de 2011 a família de Anabel Hernández fez uma festa em um de seus cafés favoritos na zona norte da Cidade do México. O encontro seria a comemoração do aniversário da sobrinha de Anabel. Sendo uma das mais destacadas jornalistas do país, Anabel raramente tem tempo livre. Ela estava especialmente feliz: "A família inteira estava lá. Somos tantos que é muito difícil reunir todo o mundo em um lugar. Isso quase nunca acontece."

Anabel teve que deixar a festa cedo para terminar um artigo, como é frequente, e foi depois de ela sair que homens armados invadiram o local. "Eles apontaram fuzis para meus familiares, ficaram andando pelo salão, pegando as carteiras das pessoas. Mas não era um assalto. Ninguém tentou usar nenhum dos cartões de crédito. Foi pura intimidação, e o alvo era eu mesma e minha família." Foi preciso esperar mais de um ano para que as autoridades começassem a procurar os assaltantes. Durante esse tempo, as ameaças continuaram. Numa tarde de junho deste ano, Anabel abriu sua porta da frente e encontrou animais decapitados numa caixa deixada diante da porta.

Seu "crime" foi ter escrito um livro sobre os cartéis das drogas que vêm semeando o terror no México, tendo já deixado 80 mil mortos e 20 mil desaparecidos e criando uma nova forma de guerra no século 20. Mas já houve outros livros sobre esse derramamento de sangue. O que diferencia "Los Señores del Narco" (Os Senhores do Narcotráfico) é sua narrativa implacável que vincula o grupo criminoso por trás de boa parte da violência --o cartel de Sinaloa, a maior organização criminosa do mundo-- aos altos escalões do Estado mexicano.

Seu crime seguinte contra o establishment e os cartéis foi o fato de seu livro ter virado best-seller e continuar sendo amplamente vendido até agora --mais de 100 mil exemplares foram vendidos no México. Seria impossível exagerar a importância desse sucesso; é um número espantoso para um país cuja população tem renda muito inferior à do público americano e europeu e onde o mercado de livros é muitíssimo menor. Para Anabel Hernández, esse interesse enorme deixa algo muito claro: "Os mexicanos não acreditam na versão oficial desta guerra. Eles não acreditam que o governo seja composto de mocinhos que combatem os cartéis. Sabem que o governo está mentindo. Eles não estão iludidos."

O livro de Hernández foi lançado em tradução inglesa para que nós do mundo de língua inglesa, que consome uma parte tão grande do produto negociado pelos cartéis e por cujos bancos seus lucros transitam, fiquemos sabendo como é mentirosa a história de "policiais e ladrões", da "sociedade justa versus a máfia" --ou seja, a visão convencional que ainda contamina a cobertura feita das guerras do tráfico e da "guerra às drogas".

Dois escritores, em especial, têm sido pioneiros na luta para combater essa inverdade. Anabel Hernández é uma, e o outro é Roberto Saviano, autor de "Gomorra", sobre a Camorra de Nápoles. Ele escreve no prefácio à edição inglesa do livro de Hernández: "'Los Señores del Narco' mostra que o capitalismo contemporâneo não tem condições de renunciar à máfia. Porque não é a máfia que se converteu em um empreendimento capitalista moderno, é o capitalismo que se converteu em uma máfia. As regras do tráfico de drogas que Anabel Hernández descreve são também as regras do capitalismo."

Em 2000, Anabel Hernández já era um nome conhecido do jornalismo mexicano, trabalhando no diário "Reforma". Mas em dezembro daquele ano ela se viu envolvida pessoalmente na área sombria de sobreposição entre Estados e criminosos, quando seu pai foi sequestrado, num crime que a família acredita não ter tido ligação com o trabalho de Anabel.

A polícia da Cidade do México disse que investigaria o sequestro apenas se fosse paga para isso. A família se negou a pagar, imaginando que a polícia aceitaria o dinheiro sem fazer nada, como às vezes acontece. Quando o pai de Anabel foi assassinado, a tragédia fez crescer sua determinação de praticar o jornalismo --sem medo e sem ilusões acerca do establishment.

Menos de um ano depois, ela deu o furo de um escândalo envolvendo a extravagância com que o candidato presidencial vencedor, Vicente Fox, tinha decorado sua residência particular, usando verbas públicas --enquanto baseava sua campanha no argumento da austeridade econômica. Dois anos mais tarde, foi homenageada pela Unicef por suas reportagens sobre trabalho escravo e a exploração de meninas mexicanas em campos de trabalho agrícola no sul da Califórnia. Pouco depois disso, a guerra mexicana das drogas explodiu e Hernández voltou sua atenção a esse tema altamente perigoso e ao homem mais poderoso envolvido nele: Joaquin "El Chapo" Guzmán, líder do cartel de Sinaloa. Em termos da profundidade do retrato que traça do criminoso mais rico e mais influente do mundo, o livro de Hernández supera de longe qualquer outro relato.

Quando Zulema Hernández (nenhum parentesco com a jornalista) chegou à prisão de Puente Grande, com certeza não imaginou que teria dias felizes pela frente. Mas jamais poderia ter imaginado as consequências de ter atraído a atenção do detento mais famoso da prisão, Guzmán, tornando-se uma de suas amantes. A relação com El Chapo ("O Baixinho") levou Zulema a fazer dois abortos e ser prostituída entre os carcereiros "como um pedaço de carne". Libertada da prisão, seu cadáver foi encontrado no porta-malas de um carro com a letra Z, epigrama do cartel de Los Zetas, principal rival de Guzmán, cortada em seus seios, nádegas e costas.

Se esta história tenebrosa, que aparece passada a metade da narrativa de Hernández, captura o caráter repulsivo da guerra das drogas no México, outro trecho do livro revela como Guzmán controlava a prisão em que supostamente estava encarcerado, convidando sua família extensa a vir hospedar-se nela para uma festa de Natal que durou cinco dias. A jornalista também relata o assassinato misterioso do único funcionário de alto escalão que tentou expor a corrupção da penitenciária ao nível governamental e do único carcereiro que prestou testemunho dela. E, mais importante de tudo, o fato de que Guzmán não "escapou" de Puente Grande num caminhão de roupa suja, como reza a lenda. Ele saiu para a liberdade trajando uniforme policial e com escolta policial, muito tempo depois de o chefe dos presídios e do vice-ministro de Segurança Pública terem chegado à penitenciária, em resposta à suposta notícia de sua fuga.

Mais que ser sobre a máfia, este livro é sobre a "mafiocracia", um dos melhores termos cunhados por Anabel Hernández --sobre o Estado mafioso. É sobre como o velho cartel de Guadalajara, dos anos 1980, era protegido pelo governo mexicano, assim como é protegido hoje seu herdeiro, o cartel de Sinaloa, de Guzmán. É sobre a ascensão de Genaro García Luna, que Hernández acusa de ser o protetor de El Chapo no alto escalão do governo. "Inicialmente, achei que seria difícil", diz ela. "Não imaginei que as pessoas estariam dispostas a acreditar que o governo está mentindo. Que isto tudo é uma grande mentira."

Ao longo de todo o livro aparece um personagem chamado simplesmente de "o informante", um dos muitos que Hernández encontrou ao longo de seus cinco anos de odisseia no mundo criminoso e entre aqueles que supostamente o combatem. "Quando comecei este trabalho, em 2005, ele me falou: 'Não faça isso. Você é mulher, e é perigoso demais.' Mas eu tinha que fazer isso, por causa do que aconteceu em minha vida e porque as pessoas só poderão mudar as coisas quando entenderem o que está acontecendo."

As ameaças começaram em 2010, quando o livro de Hernández foi lançado no México, e a história delas está no livro que ela escreveu depois, "Mexico in Flames" (México em chamas). Nessa época, Hernández já era mãe de dois filhos. "Recebi um aviso inicial de que alguém no governo queria me punir", ela diz. "Ou até que alguém queria mandar me matar. Eu não queria acreditar, mas quem me disse isso --'querem matar você'-- estava bem informado. Ao longo dos anos fiquei muito familiarizada com carros oficiais, e um dia, quando estava buscando meu filhinho da escola, lá estava um deles, um carro oficial."

Independentemente do motivo da ameaça, "eu a denunciei na hora à comissão de direitos humanos do governo. A comissão abriu uma ficha, e passaram a me dar proteção 24 horas por dia." Mas então, este ano, uma iniciativa sinistra: as autoridades anunciaram a intenção de suspender a escolta, obrigando Hernández a cancelar várias viagens de divulgação do livro que ela faria a áreas do país afetadas pelo tráfico.

"Contestei a decisão", diz Hernández, "e me deram a escolta de volta, mas mesmo depois disso continuaram a aparecer animais decapitados diante de minha porta. O caso mais recente foi em junho."

Ela chama a atenção não apenas à agonia de seu país, mas também à intimidação que vem sofrendo e ao assassinato de dezenas de seus colegas. Esse massacre da imprensa não é um problema secundário, nem uma obsessão da mídia com ela própria --é um elemento que faz parte estratégica da guerra mexicana às drogas e da tomada de território pelos cartéis.

Um dos amigos de Hernández é o veterano repórter Mike O'Connor, que passou boa parte de sua infância no México, vem cobrindo conflitos desde as "guerras sujas" dos Estados Unidos na América Central, nos anos 1980, e agora trabalha em tempo integral em defesa dos jornalistas mexicanos ameaçados, representando o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) na Cidade do México.

"O silenciar da imprensa e o assassinato de jornalistas faz parte integral da realidade do que vem acontecendo aqui", explica O'Connor. "Os cartéis estão tomando território. O governo e as autoridades estão cedendo território aos cartéis. Para os cartéis tomarem territórios, três coisas precisam acontecer. Uma delas é o controle das instituições dotadas de armas --basicamente, a polícia. A segunda é o controle do poder político. E, para que as duas primeiras condições sejam eficazes, é preciso controlar a imprensa."

Ademais, diz ele, ressaltando o tema do livro de sua amiga, "a incapacidade do governo de solucionar efetivamente qualquer dos crimes cometidos contra jornalistas nos quatro anos em que estou aqui é simbólica de sua incapacidade de solucionar crimes contra cidadãos comuns. Simplesmente não conseguem. E você se pergunta: por que eles não podem solucionar esses crimes? Será que é porque não querem?"

O que Hernández acha de seus colegas menos conhecidos que trabalham em jornais locais, com frequência comprometidos e ameaçados pelos cartéis? É um problema, diz ela, que "nossos repórteres não estão unidos diante dessas ameaças e homicídios". Ela pretende "formar uma federação de solidariedade, construir um grupo, uma comunidade, para nos fortalecer contra os cartéis e as autoridades."

"Muitos desses assassinatos de meus colegas foram escondidos, cercados pelo silêncio", diz ela. "Eles [os jornalistas] foram ameaçados e não disseram a ninguém; ninguém sabia o que estava acontecendo. Precisamos levar essas ameaças a público. Temos que desafiar as autoridades a proteger nossa imprensa, divulgando publicamente cada ameaça, para que não tenham desculpa."

O lançamento da edição inglesa do livro é feliz; casa-se perfeitamente com as notícias mais recentes. A libertação do chefão Caro Quintero por um tribunal federal mexicano fez manchetes em todo o mundo. Quintero foi condenado por participação na tortura até a morte de um agente da Drug Enforcement Agency [DEA, o departamento americano de combate às drogas], Enrique "Kiki" Camarena, em 1985. Foi um homicídio que, segundo o relato de Hernández, lança luz sobre a cumplicidade do governo mexicano e também da CIA no tráfico de drogas, uma narrativa que expõe uma raiz profunda da guerra atual às drogas.

O tribunal soltou Quintero com base em uma questão técnica, mas Hernández diz agora: "O governo mexicano não fez nada para impedir a soltura dele. Pelo contrário --contribuiu para ela. A única coisa que ninguém quer é que Quintero fale sobre o papel do Partido Revolucionário Institucional (que voltou ao poder e que estava no governo quando Camarena foi morto) e da CIA nas origens do cartel de Chapo Guzmán."

Outro fato que virou notícia grande foi a captura, em julho, do líder dos Zetas, Miguel Angel Treviño Morales, e a morte, no ano passado, do homem que ele substituiu, Heriberto Lazcano. Essas vitórias dos militares mexicanos revelam algo sobre o tema tratado por Hernández: especula-se há muito tempo que a melhor chance que qualquer governo mexicano terá de conquistar a paz será retornar à chamada "pax mafiosa", uma convivência pacífica com o maior cartel, o de Guzmán. Nesse esquema, as drogas continuariam a circular, em troca do cessamento da violência, enquanto a "guerra às drogas" oficial é travada contra os adversários de Guzmán. Destes, os Zetas são de longe os mais temíveis.

"Lamentavelmente, acho que é isso o que está acontecendo", fala Hernández. "O México está exausto. As pessoas pagarão qualquer coisa para viver em paz. E essa é a estratégia: patrocinar o cartel de Sinaloa. Isso faz da chamada 'guerra às drogas' uma grande mentira."

A tradução inglesa de "Señores del Narco" não favorece o livro, sendo por vezes coloquial ao ponto de se tornar deselegante (o agente Camarena é descrito como "presunto" e o assassinato misterioso de um funcionário governamental comprometido, Edgar Millán, é "chocante"). É uma pena, dada a importância do livro e a existência de excelentes tradutores do espanhol ao inglês. Além disso, a edição inglesa demorou, lamentavelmente, a chegar (embora devamos parabenizar a Verso por publicá-la), ilustrando o incompreensível desinteresse do mundo anglófono em relação ao número de mortos decorrentes do tráfico das drogas que esse mundo se sente no direito de consumir.

Hernández fala que está muito contente "por meu livro estar sendo publicado em inglês, para que possa ser lido em Londres e Nova York, onde drogas são vendidas e consumidas em todas as esquinas, e para que as pessoas possam saber de onde vem cada grama de cocaína --da corrupção e da morte. Quero que ele seja publicado no Reino Unido e na América, onde os lucros do tráfico são lavados. Em seu país, onde o HSBC recebeu o dinheiro de Chapo Guzmán 'para cuidar dele' e depois disse que não sabia de onde viera o dinheiro. Estudei a fundo as redes de lavagem, e não posso acreditar no que disseram."

Ela insiste que "a violência e os cartéis não são a doença", e é isso que a situa entre os hereges políticos em relação à chamada guerra às drogas. "São um sintoma da doença, que é a corrupção. Os cartéis não podem operar sem o apoio de autoridades, burocratas, políticos e até policiais, além de banqueiros para lavar o dinheiro. Essas pessoas deixam os 'narcos' fazer o que fazem, e são elas a questão, é esse o câncer. Conheci essa gente, os narcos. Eles não têm escrúpulos, são cruéis. Mas, em última análise, são simplesmente empresários. Tudo o que conseguem enxergar é o dinheiro. A vida, eles não conseguem enxergar."

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Confira extratos do livro de Anabel Hernández que descrevem a vida dos barões mexicanos do tráfico na prisão.

As mulheres de El Chapo

Durante sua detenção em Puente Grande, Joaquín Guzmán passava o tempo com sexo, álcool, drogas, vôlei e fazendo flexões. Como Hector "El Güero" Palma e Arturo "El Texas" Martínez (dois outros detentos), ele era fartamente suprido de Viagra e outros produtos para reforço de potência. Em vista da idade deles, parece pouco provável que o Viagra lhes tivesse sido receitado por médicos, a não ser, é claro, que sofressem de alguma disfunção. Alguns dos carcereiros e comandantes da prisão contaram que a obsessão pelo sexo era tão grande que os três detentos faziam competições para ver quem conseguia continuar transando por mais tempo.

Prostitutas entravam e saíam livremente de Puente Grande; os administradores do presídio as descreviam pejorativamente como "as sem rosto". Eram trazidas em carros oficiais, usando longas perucas loiras. Os detentos as recebiam no setor de atendimento psicológico, nas salas de visitas conjugais ou em suas próprias celas. Se alguma vez faltassem mulheres, eles agarravam funcionárias ou detentas da prisão, com a conivência do diretor Beltrán. Essas mulheres não tinham muita escolha. Qualquer uma que ousasse apresentar resistência às exigências sexuais dos senhores das drogas sofreria as consequências.

De todas as mulheres que El Chapo teve em Puente Grande, três se destacaram: Zulema Yulia, Yves Eréndira e Diana Patricia. Cada uma delas descobriu como é infernal ser a favorita do momento de um bandido. Suas histórias desesperadoras explodem o mito do "barão do tráfico apaixonado".

No dia 3 de fevereiro de 2000, Zulema Yulia Hernández, jovem de apenas 23 anos, foi encarcerada em Puente Grande por ter assaltado uma van de segurança. Mesmo que merecesse ir para a cadeia, enviá-la a um presídio de segurança máxima parecia ser punição excessiva. Não havia ala separada para mulheres. Estas eram mantidas no centro de observação e classificação, onde não tinham nem os serviços médicos apropriados nem proteção física adequada em meio a uma população carcerária de maioria avassaladora masculina.

As visitas familiares por Guzmán coincidiam com as de Zulema, que não demorou a chamar a atenção de El Chapo. A natureza obsessiva do traficante e a situação vulnerável da jovem mulher moldariam a história sombria deles. Através de um dos membros do cartel de Sinaloa, conhecido como El Pollo, Guzmán enviava cartas "de amor" a Hernández. Quase analfabeto, o chefão ditava as cartas a um escrevente não identificado, que as enfeitava com uma dose de dramaticidade. É claro que escrever para uma detenta mulher era uma das milhares de coisas proibidas que permitiam que Guzmán fizesse com total liberdade. Em muito pouco tempo ele começou a ter relações íntimas com a jovem delinquente, que tinha pouco mais que metade de sua idade. Os encontros deles aconteciam na área de comunicações, com a ajuda e o conluio de guardas mulheres e da administração do presídio.

O último Natal em Puente Grande

Passava das 22h na véspera do Natal. O silêncio da larga rodovia entre Guadalajara e Zapotlanejo foi rompido pelo som de um comboio de utilitários esportivos que se aproximava do presídio em alta velocidade. No cruzamento diante dos portões do presídio havia uma barreira temporária onde o guarda de perímetro José Luis de la Cruz montava guarda com um colega. Ele tinha recebido ordens específicas do vice-diretor de segurança do perímetro para não deixar ninguém entrar; tinha até sido instruído a estacionar uma picape atravessada na estrada, para bloquear o acesso ao presídio.

Quando De la Cruz viu os veículos se aproximando sem desligar os faróis, girou sua arma, nervoso, e colocou um pente de balas nela, pensando que poderia ser um ataque. De repente o motorista do primeiro veículo pisou nos freios, abriu a porta e saltou. Os receios do guarda sumiram quando ele reconheceu o rosto sorridente do comandante do presídio, Juan Raúl Sarmiento. "Somos nós", gritou Sarmiento jovialmente, como alguém que chega a uma festa. O guarda tirou a picape do lugar para permitir a passagem da fila de veículos. Parentes de Joaquín Guzmán viajavam em alguns dos veículos, e os de Héctor Palma, em outros. Havia também um grupo grande de mariachis e 500 litros de bebida alcoólica para a festa de Natal. O banquete suntuoso chegou alguns minutos depois. Tinha sido preparado de último minuto, mas o cardápio era de primeira: lagosta, filé mignon, batatas assadas, camarões, salada verde e travessas de tira-gostos, com molhos enlatados para deixar os pratos mais saborosos quando fossem requentados.

El Chapo e El Güero tinham preparado a festa durante semanas. Mandaram vir uma tinta amarela de tonalidade mais alegre que aquela geralmente usada na prisão; os próprios carcereiros fizeram hora extra para pintar as paredes. Os corredores e celas das unidades três e quatro foram enfeitados com luzes e decorações de Natal. O faz-tudo de Guzmán fora da prisão, El Chito, tinha sido encarregado de organizar o banquete e comprar presentes para a família, além de encomendar comida e bebida especial para os detentos comuns do presídio.

A corrupção corria solta em Puente Grande havia dois anos, mas essa exibição cínica de poder foi algo inusitado. A festa se estendeu por três dias. Os familiares de El Chapo e El Güero permaneceram até 26 de dezembro, aproveitando a tolerância extrema das autoridades. Imaginava-se que a mudança de governo pudesse significar que os barões das drogas perderiam seus privilégios, mas eles demonstravam confiança total. Na verdade, um dos convidados na festa era o próprio diretor da prisão; Leonardo Beltrán em momento algum soltou a pasta cheia de maços de notas que os traficantes lhe deram de Natal.

Tradução de Clara Allain


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