Folha de S. Paulo


Arquivo aberto: a nuvem dourada do Parque Anhembi

Os transeuntes e motoristas que circulavam, naquele sábado, 13 de dezembro de 1969, pelos arredores do rio Tietê, perguntavam-se, perplexos, o que seria aquela estranha nuvem metálica, dourada ao pôr do sol, flutuando sobre os terrenos que até havia pouco eram usados pelo futebol de várzea.

Quem se aproximasse desta região da cidade perceberia tratar-se de uma enorme estrutura metálica (quase 70 mil m2) suspensa no ar por 25 guindastes: a futura cobertura do pavilhão de exposições de um empreendimento de Caio Alcântara Machado.

Um amigo em comum, o engenheiro Eduardo Moraes Dantas, pôs-me em contato com Caio que desejava promover a construção de um pavilhão quatro vezes maior do que aquele que improvisara no parque Ibirapuera, destinado a acolher mostras e feiras periódicas: Salão do Automóvel, Utilidades Domésticas, Fenit etc.

Durante o Carnaval de 1966 reuni-me com ele e seus companheiros e organizamos o programa desse projeto; insisti que deveriam ser previstos auditórios para convenções, restaurantes, hotel e amplo espaço logístico, além de estacionamentos.

Elaborado o programa e contratado meu escritório, tivemos que enfrentar um problema estrutural: como cobrir vasta área com cerca de 15 metros de altura livre? Na construção de galpões industriais era então habitual usar arcos estruturais ou "sheds", com o inconveniente de encherem o espaço de colunas ou de alcançarem uma altura livre desnecessária.

Queria uma estrutura metálica leve que pudesse nascer e crescer feito árvore... E que pudesse ser montada no solo para evitar a construção provisória de um vasto emaranhado de andaimes, possivelmente mais caro do que a própria estrutura de cobertura.

Um representante da Alcoa, a companhia americana de alumínio, comentou que na Expo 67, em Montreal, no Canadá, havia uma fachada com estrutura espacial parecida com a que montáramos no escritório com palitos de fósforo.

Fui ver; e, em Montreal, aprendi que o tubo podia ser "amassado" para receber rebites. Lá conheci o professor canadense Cedric Marsh que, graças ao uso pioneiro de uma máquina chamada computador, era capaz de calcular a estrutura espacial desejada.

O projeto de levantamento a partir do solo e a construção metálica foram realizados pela Fichet & Schwartz Hautmont, firma de origem francesa, muito ativa no Brasil.

Após exame da previsão do tempo, temerosos de que o vento fizesse a estrutura no ar entrar em movimento pendular fatal, fixou-se a data para a operação de levantamento.

Em somente oito horas ergueram-se, por meio de guindastes manuais, 70 mil m2 de estrutura, os quais logo receberiam as colunas definitivas, que jaziam no solo aguardando a vez de serem levantadas.

Além dessa inovadora cobertura, o pavilhão foi dotado de uma infraestrutura subterrânea que permite alcançar com cabos e energia qualquer ponto da área e de um terraço, debruçado sobre a bonita praça projetada por Roberto Burle-Marx, destinado a uma série de restaurantes --um predecessor das atuais praças de alimentação.

Infelizmente o Brasil é o país dos puxadinhos e do temporário que vira definitivo. O terraço gastronômico foi demolido, e a praça, ocupada por uma extensão do pavilhão, ficou uma ridícula imitação do principal.

Mas somos também um país desmemoriado. A estrutura --sua beleza e sua inovação, o recorde mundial que foi sua elevação em oito horas--, merecia ser preservada, quando não tombada como patrimônio. Nada disso ocorreu.
Por isso, é gratificante a oportunidade de relembrar aquele dia em que uma nuvem dourada anunciava uma novidade: o Parque Anhembi.

JORGE WILHEIM, 84, arquiteto e urbanista, é autor de "São Paulo: Uma Interpretação" (Senac) e de "Tênue Esperança no Vasto Caos" (Paz e Terra)


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