A Folha retraça a trajetória do artista, colecionador e curador Emanoel Araujo, conhecido tanto pelo temperamento explosivo como pelo empreendedorismo. Este retrato do diretor do museu Afro Brasil permite ver, além da figura geniosa, um personagem que faz da atividade na cultura uma causa pessoal.
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Na véspera de seu aniversário de 72 anos, Emanoel Araujo foi trabalhar, tropeçou ao entrar em sua sala e caiu, batendo o rosto na mesa. Foi socorrido, levado ao hospital Sírio-Libanês, submetido a uma batelada de exames e liberado horas depois.
No dia seguinte, 15 de novembro de 2012, comemorou a data um pouco baqueado, depois de uma jornada de trabalho normal, cantando "Parabéns a Você" com funcionários do museu Afro Brasil, do qual é diretor-curador.
Não havia tempo para repousar. Na semana seguinte, no Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o museu receberia o evento com que o governo federal lançaria os editais do Ministério da Cultura para criadores negros.
Chegando, na ocasião, ao prédio que abriga a instituição no parque Ibirapuera, a ministra Marta Suplicy (PT) notou que ele está "cada vez mais recheado". "É ele, né?", disse, apontando o diretor.
Foi Marta quem assinou o decreto de criação do museu Afro Brasil, em seu último ano como prefeita de São Paulo, em 2004.
Com isso, permitiu que o artista plástico e curador realizasse um projeto que parece ter cultivado a vida inteira. Das 5.000 peças do acervo, 3.000 foram doadas oficialmente por ele. Outras 1.500, já cedidas em comodato, poderão ter o mesmo destino.
O manancial é farto. Emanoel Araujo organizou um evento no dia 25 de janeiro, 459º aniversário da cidade, para oficializar outras doações, além daquelas que já estão no museu: as 60 obras de "Retratos sem Parede" e as cerca de cem de "Iconografia de São Paulo", exposições inauguradas na data.
Ao longo dos anos, ele estima ter doado por volta de 2.000 obras a outras instituições, entre as quais a Pinacoteca do Estado, que dirigiu por uma década. Sua casa, no Bexiga, bairro tombado na região central de São Paulo, é ela própria um museu, com cerca de 300 peças expostas.
De fato, foi Marta quem instituiu o museu, mas, diz Araujo, "não adianta criar e esquecer". Por isso o diretor dedica maior gratidão a José Serra (PSDB), sucessor da petista na Prefeitura de São Paulo.
Em 2006, meses depois de Serra deixar a prefeitura, o então secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil, revogou o decreto que criou o museu e estabeleceu um convênio com o Afro Brasil enquanto instituição privada. Calil diz que o museu havia sido criado sem "previsão de cargos ou de orçamento".
A secretaria na época tinha uma dívida de R$ 20 milhões, afirma. "Em meio a essas dificuldades, Emanoel Araujo se recusou a doar a sua coleção à prefeitura, inviabilizando a oficialização desse museu no plano municipal." O convênio estabelecia que a prefeitura pagasse R$ 1,8 milhão por ano ao museu.
Araujo relata que o período foi complicado. "Calil sacaneou. Impediu que o museu se formalizasse. Precisava de concurso público, plano de carreiras e salários. Ele abortou tudo", lembra. Funcionários do Afro Brasil dizem que o diretor chegou a pagar salários tirando dinheiro do próprio bolso.
Em 2009, Serra, então governador, transformou o museu em OS (Organização Social), submetendo sua gestão ao Estado de São Paulo e quintuplicando seu orçamento.
Paulo Monteiro/Reprodução | ||
Retrato de Emanoel Araujo feito pelo artista plástico Paulo Monteiro para a edição de 24/2/13 da "Ilustríssima" |
VULCÃO
Durante a campanha para a eleição municipal de 2010, o ex-governador falou que o curador é um homem "vulcânico e explosivo". Pudera. Hoje, Emanoel Araujo declara voto "emocional" ("não por convicção ideológica") em Serra. Mas, há oito anos, ele pediu a Serra demissão da Secretaria Municipal de Cultura, três meses depois de assumi-la, de maneira "vulcânica" e, também, "explosiva".
Em carta aberta ao então prefeito, Araujo foi taxativo: "O senhor pensa mesmo que isso é cultura? Deixo a secretaria porque o senhor não tomou conhecimento desses cem penosos dias de administração em que, graças a poucos e abnegados servidores, conseguimos realizar muitos projetos e ações, inclusive o catálogo 'Brasileiro, Brasileiros', no qual encontra-se inserido um texto seu e a cujo lançamento, ontem, o senhor não compareceu, como programado".
Na mesma carta, ainda cutucou a então secretária estadual da Cultura, Claudia Costin. Ela havia recusado projeto que ele elaborou, por mais de ano, para instalar um Museu do Imaginário do Povo Brasileiro no prédio do antigo Dops (Departamento de Ordem Política e Social). As celas dariam lugar à Estação Pinacoteca. "Museu não é butique. Já disse isso à secretária Claudia Costin, quando ela quis instalar o Museu do Imaginário do Povo Brasileiro na Casa das Rosas."
Costin pediu demissão dois meses depois do ocorrido. "O orçamento da pasta à época era reduzido e não havia recursos para implantar o projeto e adquirir o acervo do Estado", justifica ela hoje.
Naquele momento, Serra respondeu, reservadamente, que havia posto um "ourives" --profissão do pai de Araújo-- em uma "pedreira". Hoje, ele diz que o artista "deixou a secretaria por sua única e exclusiva vontade", decisão que "em nada abalou" a relação entre os dois, que Serra qualifica como ªde amizade e confiança". Para o ex-governador, Araujo é "um grande artista, um formidável organizador", uma pessoa de "bom gosto e opiniões definidas". "É um patrimônio cultural, deveria ser tombado", brinca. Talvez o fato de ter aceitado a secretaria de Serra seja um gesto grandioso de amizade --Araujo diz ter recusado convite semelhante de Marta.
"Isso é coisa política de vocês", esbravejou o diretor-curador para a assessora da hoje ministra da Cultura na antessala de seu escritório no museu, minutos antes de o evento da Consciência Negra começar. Ele estava inconformado com o folder do edital, que não incluiu o logotipo do Estado de São Paulo. A assessora garantiu que o projetaria no telão.
Mas já era tarde. Araujo armava a expressão pela qual é conhecido: revira os olhos, arrebita o nariz e vira o rosto num ângulo de 180 graus, tudo ao mesmo tempo. O interlocutor fica sem ter para onde olhar ou com quem falar. O curador espia a repórter, dá uma piscadinha e discretamente sorri. "É muito auê."
NO QUARTO
O cômodo em que dorme Emanoel Araujo fica no segundo andar de uma casa construída por um escultor italiano. De frente para sua "linda cama" de estilo dom João 6ë, do século 19, feita de madeira jacarandá da Bahia, fica uma tela vermelha com uma figura de "mãe preta", de Di Cavalcanti. Na cabeceira à direita, há uma foto de seu pai, Vital, consertando uma coroa de ouro de Santo Amaro da Purificação, enquanto conversa com o pai de Caetano Veloso e Maria Bethânia, Zezinho. O escultor, o compositor e a cantora nasceram, em 1940, 42 e 46, respectivamente, na cidade do Recôncavo Baiano.
"Tenho uma imagem muito vívida de Seu Vital, pai dele, com a imensa família, no [bairro do] Sacramento. Não era preto como Emanoel. Era o que a gente chamava de 'cabo-verde': a pele era escura, mas não tinha o cabelo pixaim", conta Caetano Veloso.
Os dois estudaram juntos no ensino fundamental. "Emanoel foi um dos meus colegas mais queridos no ginásio Teodoro Sampaio, em Santo Amaro. E fiquei para sempre amigo dele. Hoje quase não nos vemos, mas sinto a amizade inabalável. Na porta da minha casa em Salvador, tem uma escultura dele, gigante, protegendo", afirma Caetano, que conta ainda que o artista plástico era então "fã de Ângela Maria, fascinado por Adalgisa Colombo e não apenas gostava de desenhar: queria dedicar-se a desenhar". "Como eu já desenhava figuras humanas com certa facilidade, ele me fazia perguntas. Gosto de dizer que o ensinei a desenhar. Ele responde, com graça, que me ensinou a cantar."
Sobre a cômoda, também de jacarandá, Araujo colocou em um porta-retratos uma fotografia de Tomie Ohtake, 99. "Eles se amam", diz Ricardo Ohtake, filho da artista. O aniversário dela é seis dias depois do de Araujo, e todo ano Tomie liga, ou intenta ligar, para lhe dar os parabéns.
SARAPATEL
A amizade entre eles começou na segunda metade da década de 1960. Para sua inauguração, o Museu Regional de Feira de Santana, na cidade baiana, havia convidado alguns artistas, entre os quais estava o par. Então com 20 e poucos anos, Emanoel Araujo aproveitou para chamar Tomie, já com mais de 50, para almoçar em sua casa, em Salvador, embora eles mal se conhecessem. E ainda arriscou oferecer à japonesa um sarapatel --iguaria nordestina feita à base de vísceras de porco e sangue coalhado. "Ela não só comeu um prato como repetiu", conta o filho.
Emanoel Araujo costuma cozinhar --sempre pratos baianos-- para receber seus convidados. É o polo agregador da turma, segundo Charles Cosac, sócio e editor da Cosac Naify. São seus frequentadores, além de Cosac, o engenheiro Hubert Alquéres, o jornalista Claudio Leal e o tucano José Henrique Reis Lobo, entre outros. Sua casa é o palco dos encontros, e suas obras de arte guardam histórias dos amigos. Uma das mais notáveis é a de um pavão empalhado.
Há alguns anos, Charles Cosac passeava por Londres quando viu na vitrine de uma loja de luxo duas aves da espécie empalhadas e se "apaixonou". Assim que pisou no Brasil, localizou um taxidermista em Porto Alegre, a quem encomendou duas cópias dos originais ingleses. Pagou cerca de R$ 10 mil pelos exemplares, o primeiro dos quais, tão logo ficou pronto, foi entregue na casa de Emanoel Araujo.
"Eu quero saber o que significa alguém mandar um pavão para a casa do outro!", reagiu o artista, exaltado. "Eu falei: 'Bem, para mim não significa nada'", relembra Cosac. Não adiantou. O amigo cancelou o segundo pavão e mandou buscar o de Manuca, como o chama. Acontece que, no meio tempo, um outro amigo visitou Araujo e, quando viu o pavão, também se apaixonou --e encomendou um para si, com o mesmo taxidermista.
Manuca mudou de ideia e resolveu que ficaria com o bicho. Como a outra peça tinha acabado de ganhar um novo dono, Charles acabou ficando sem nenhum.
"Ah... Tem que aceitar, né? Eu não reclamei, sou muito educado. Às vezes, mas sou. Não sei se ele queria me chamar de pavão, mas eu não me pavoneio. Um dia mando de volta", diverte-se Araujo.
Não há espaço desocupado na casa do artista, embora nenhum dos medalhões, telas do século 19, maquinetas, esculturas e outros apetrechos --como um troféu Coca-Cola Light Plus-- seja de sua autoria. Até mesmo o banheiro é decorado.
"Minha aposentadoria está aqui, nessas paredes. Eu tenho pavor do vazio. Talvez seja por carência afetiva", ri, numa tentativa vã de explicar por que mantém a coleção excêntrica --mesmo quando vivia com seu companheiro (foram duas longas relações, a última encerrada há 20 anos), as paredes eram lotadas.
TRIO
Emanoel Araujo foi o primeiro de 11 irmãos. Na década de 1980, no intervalo de dois anos, perdeu a mãe, o pai e duas irmãs, com as quais formava um trio. Olga fez uma cirurgia para tirar um tumor no cérebro e não resistiu. Com sua morte, Letícia teve um "surto psiquiátrico" e "se fechou", lembra pausadamente o primogênito.
"Não gosto de família. É um mal necessário. Sempre gostei de ser só. Não sei se é porque éramos muitos. Sou um péssimo ser domável", diz, circunspecto.
Ele não fala propriamente em trauma, mas suas relações o deixaram com má impressão sobre a intimidade. "É infernal conviver com uma pessoa." Sabendo-se detentor de uma opinião explosiva em tempos em que "tudo é homofobia", o artista ironiza o casamento gay e se diz contra a adoção de filhos por casais do mesmo sexo. Embora ressalve que não é alheio aos casos recentes de ataques homofóbicos, não retira seu parecer.
"Uma vez que uma pessoa se determina numa opção sexual, não pode voltar atrás. Se queria ser pai, por que não virou hétero, não pegou sua mulher e fez seu filho? Que é isso, gente? Sou homossexual, vou querer ter uma filhinha? Isso realmente é meio canalha. Também acho um absurdo alguém que queira se casar e vai ao altar ou ao juiz. Pode casar e descasar no dia seguinte. Muito bonito, superemocionante ter seu dia de princesa, seu belo vestido, flores, flores e flores." Aí para, sorri e conclui: "Depois dessa, vou ter que sair da cidade".
PAULISTANO
Mas em São Paulo está e em São Paulo ficou. Trinta anos após desembarcar na capital paulista, Emanoel Araujo recebeu em 1994 o título de cidadão paulistano do então vereador Marcos Mendonça --e é como paulistano que se apresenta.
Antes de se tornar secretário municipal, tocou, de 1992 a 2002, uma das mais importantes instituições culturais paulistas, a Pinacoteca do Estado. Quando seu nome foi anunciado, enfrentou resistência da alta sociedade local. "Mas tinha que ser um baiano?", artistas comentavam na cerimônia e posse. "E preto e homossexual", emendava ele próprio.
"Sempre haverá pedras no caminho. O sucesso incomoda", assevera. "Outro dia me disseram que sou egoísta. Fico pensando: me desviei do meu ateliê para contribuir com gestões culturais, dediquei 40 anos à atividade pública, doei obras. Onde está o egoísmo?" Ele acha que seu temperamento pode influenciar o julgamento alheio, mas que sem ele não teria realizado o que realizou. "Você não me vê em coquetel badalado. Para que as pessoas não perguntem o que aquele negro está fazendo aqui Ðprefiro nem estar presenteº, diz. ªO Brasil é um país racista, menina."
Desafiado pela descrença, fez uma gestão até hoje tida como inovadora à frente da Pinacoteca. Com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, botou o prédio do museu abaixo, integrou seu pátio ao jardim da Luz, contrariou ordem da prefeitura e removeu uma escada da fachada, arrancou eucalipto na calada da noite --e assim por diante. Movimentou público recorde à época, 150 mil visitantes em 38 dias, com a exposição de esculturas de Auguste Rodin, em 1995.
Marcos Mendonça, que então já havia se tornado secretário estadual da Cultura Ðcargo que exerceu até 2002Ð, conta que formou uma equipe só para viabilizar os projetos mirabolantes do diretor. "A gente acreditava na genialidade fantástica dele", lembra. E conta: "Um dia, Emanoel me descobre um coreto que seria demolido, numa cidadezinha da Bahia. Como a gente faz para adquirir um coreto?". Lá foram Mendonça e equipe dar um jeito de trazer a peça, que está no jardim da Luz até hoje.
Enquanto o prédio estava em reforma, exposições da Pinacoteca foram montadas no pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, que hoje é a sede do museu Afro Brasil. Nicéa Camargo, ex-Nicéa Pitta, então primeira-dama paulistana, tentando chegar à abertura de uma delas, se perdeu na imensidão do parque.
"Ela ficou muito nervosa, desesperada. Fui procurá-la", lembra Araujo. "Não tem sinalização", ela resmungou. "A culpa é do seu marido [Celso Pitta, então prefeito]", ele respondeu. "Mas não me diga o senhor que é Deus", desafiou Nicéa. "Eu sou! Meu nome quer dizer 'o Senhor está conosco'." Passada a raiva, conta o curador, acabou ganhando a simpatia de Nicéa.
Deixar a Pinacoteca não foi fácil. Emanoel Araujo diz que não pisou mais no museu, e pessoas que o circundam dizem que ele tem mágoas de Marcelo Araujo, seu sucessor, pelo rumo que este deu, por exemplo, ao antigo Dops. Ambos negam. "Foi um imenso privilégio assumir a direção daquela instituição após a gestão de Emanoel, que foi o responsável pelo maravilhoso processo de restauro e revitalização. Encontrei um museu dotado das melhores condições técnicas e com grande visibilidade pública", afirma Marcelo Araujo, hoje secretário de Estado da Cultura, instância à qual se reporta o museu Afro Brasil. Os gastos da instituição superam seu orçamento anual, de R$ 9 milhões, impedindo que se realize a primeira reforma do pavilhão, erguido 60 anos atrás. Marcelo Araujo diz que a verba é "compatível com as metas previstas".
COTAS
Se até agora as divergências entre os dois Araujo não foram escancaradas, não se pode dizer o mesmo quando a questão é a das das cotas para negros. "Ao mesmo tempo em que [o negro] precisa de protagonismo, não pode ter monopólio. É complicado", afirmou o Araujo Marcelo durante o evento de lançamento do edital de acesso a negros na cultura de Marta.
Já o Araujo Emanoel assume posição exatamente contrária. "Não sei muito bem por que as pessoas são contra a cota. Ferreira Gullar, Caetano Veloso, eles não têm mais filho nenhum concorrendo a universidade nenhuma", provoca.
Caetano responde: "Seu caminho do Sacramento a postos como a diretoria da Pinacoteca deve ter lhe mostrado aspectos das entranhas da sociedade brasileira que o levaram a dar caráter político ao pertencimento negro-africano que ele já desenvolvia na dimensão cultural em suas gravuras. Apaixonado como sou pelo mito da originalidade brasileira, fiz algum coro à reação contra a americanização da conversa sobre raça no Brasil. Mas, além de ser mais apaixonado por Emanoel do que por qualquer mito, considero as cotas raciais um assunto que deve ser visto com circunspecção e respeito. Se Emanoel quiser me convencer, fico a favor das contas sem nuances".
Para Araujo, "as cotas não tiram o mérito". "Ninguém vai lá [e diz] 'sou negro, vou entrar'. Elas são um numeral reservado para essas pessoas, como também tem um reservado para os brancos. Nós, os negros, pagamos impostos, por que temos que ser sempre escravos? O que é muito estranho é que os afrodescendentes estudam numa escola pública e, na hora de ir para a universidade, têm que ir para uma particular. E muitos param, porque não podem pagar."
Ele continua. "A ambiguidade corre neste país. Não se pode falar em raça, porque a palavra não existe mais, `raça é a raça humana', os antropólogos dizem. Mas tem racismo! Onde é que estão os embaixadores negros no Brasil? Aí alguém fala que tem Joaquim Barbosa [presidente do Supremo Tribunal Federal]. Mas Joaquim Barbosa é um elemento. E os outros? Pelé é um. E daí? Vai ficar com a bandeira de que o rei do futebol é negro. E daí? Não justifica dizer que as cotas vão trazer racismo. O país já é racista, discriminatório. Um pouquinho a mais, um pouquinho a menos, que diferença faz?"
O compositor Paulinho da Viola, amigo de Emanoel Araujo desde os anos 1980, afirma que ele é "proeminente na defesa da causa do negro no Brasil". "Uma figura de ponta. Todo o seu trabalho, por si só, já o demonstra. Essa coisa do museu não é brincadeira, é algo muito importante para todos nós, negros, e para todo o nosso povo", comenta o sambista. "Além de ser uma pessoa extremamente culta e muito inteligente, é um artista excepcional. É um agitador cultural."
SONHO
Para Charles Cosac, "Emanoel é escravo de si mesmo". "Ele não para nem dormindo. Acho que o sonho dele é tudo museu, museu, exposição, curadoria", diverte-se Fátima Pádua, sua secretária há 17 anos, que passa 12 horas por dia a seu lado, se diz "suspeita" para falar. "Emanoel é envolvente e carismático. Ele tem aquele jeito de querer afastar, parece que quer dar um choque. Mas é só fachada, porque ele tem um coração muito grande." Ela acha que o ritmo de trabalho de Emanoel Araujo intensificou-se no último ano. "Ele disse que não pensa na morte. Mas outro dia falou que o avô morreu aos 72 anos."
"É tão estranho ver um museu vazio", dizia o curador numa tarde cinzenta de fraco movimento em novembro, alguns dias antes daquela queda em sua sala. Foram precisas apenas duas semanas para o contra-ataque. No Dia da Consciência Negra, o diretor-curador recebeu um dos maiores públicos do museu Afro Brasil desde sua abertura: cerca de 5.000 visitantes. Emanoel Araujo pode até cair, mas sempre encontra um jeito de levantar.
Paulo Monteiro/Reprodução | ||
Retrato de Emanoel Araujo feito pelo artista plástico Paulo Monteiro para a edição de 24/2/13 da "Ilustríssima" |