Folha de S. Paulo


Ex-stripper Cardi B bate 'Despacito' e tenta prêmio de rap no Grammy

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BURBANK, CA - JANUARY 22: Cardi B performs onstage at iHeartRadio album release party with Migos presented by MAGNUM Large Size Condoms at iHeartRadio Theater on January 22, 2018 in Burbank, California. Charley Gallay/Getty Images for iHeartMedia/AFP DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
Cardi B, ex-stripper que concorre ao Grammy de melhor canção de rap com 'Bodak Yellow'

Ela gostava do peso dos dólares caindo sobre o corpo quando tirava toda a roupa para agradar os clientes em boates lotadas, uma sensação alegre que compara à de uma noiva atingida pela chuva de arroz na volta do altar.

É meio sintomático que Cardi B, uma rapper nova-iorquina negra e filha de imigrantes caribenhos, tenha desbancado a queridinha da América, Taylor Swift, das paradas de sucesso e virado a voz e a atitude mais potentes do último verão americano.

"Bodak Yellow", sua ideia de hino feminista agora indicado à melhor canção de rap no Grammy, estremeceu primeiro as ruas do Bronx e do Harlem e depois todo o país.

Suas batidas graves, refrão pegajoso e versos que defendem uma sexualidade faca nos dentes ganharam mais força na ressaca das denúncias de assédio sexual na indústria do entretenimento, dando mais urgência à batalha das mulheres para se livrar do abuso dos homens, sem medo de sentir prazer.

"O povo acha que ser feminista é usar uma saia até o tornozelo como uma primeira-dama", disse Cardi B em entrevista à revista "New York". "Isso não é feminismo. Ser uma feminista é poder fazer tudo que os homens fazem."

Isso quer dizer até pagar por sexo, como eles pagam. Ela, que faz a linha "biscate não sente frio", como já disse no Instagram, tem orgulho de levar rapazes ao delírio com suas manobras na cama.

Seu espírito sexy sem ser vulgar –ou pelo menos nunca vulgar sem um bom motivo– está escancarado no clipe de seu single mais famoso. O vídeo rodado no que parece ser um país árabe está cheio de sapatos Louboutin, aqueles de sola vermelha, e leopardos lustrosos fazendo as vezes de cães de guarda.

Nos versos, ela diz que não dança e só se mexe por dinheiro. Ganhou uma grana, consertou os dentes, paga as contas e não precisa de nada.

DIVA-ALFA

Se Belcalis Almanzar, a ex-stripper do Bronx e barraqueira-mor do obscuro reality "Love & Hip Hop" agora transformada em nova rainha do rap, fosse um homem, suas composições estariam condenadas a mais do mesmo de um gênero afeito a rasas disputas de poder entre machos.

Mas Cardi B cavou um espaço inédito, ou pelo menos há muito esquecido, para as divas-alfa no panteão de um estilo musical cada vez mais elástico e em transformação.

Havia quase duas décadas que uma rapper mulher não chegava ao primeiro lugar da "Billboard" –a última foi Lauryn Hill, em 1998– e só ela, além dos Beatles e a ex-atriz Ashanti, bateram o recorde de emplacar três de suas músicas juntas no ranking.

Ela também derrotou "Despacito" nas paradas de sucesso, algo impensável nos idos do ano passado quando a canção parecia tocar em looping infinito –e sem dó– em todos os cantos.

Mas eis que veio "Bodak Yellow", e a expectativa do mundo da música de ver surgir uma nova Lil Kim, Nicki Minaj ou Missy Elliott.

Não chega a tanto. Cardi B ainda luta para ir além do milagre de uma primeira canção explosiva, mas coleciona parcerias com outros músicos, como Bruno Mars e o noivo Offset, do trio Migos, que deram sobrevida a seu hype ao longo do inverno americano.

Mesmo que não vingue, Cardi B apareceu como um furacão no cenário musical numa era delicada.

Também seguiu à risca sua versão de feminismo. Da mesma forma que um rapper homem, ela fez questão de comprar um Bentley cor de laranja quando ganhou seus primeiros milhões, mas, ao contrário deles, sabe que isso tudo é ilusão.


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