Folha de S. Paulo


Trilha de novela inclui Pabllo Vittar e Radiohead e impulsiona canções indie

O segundo episódio de "O Outro Lado do Paraíso", atual novela das 21h da Globo, foi ao ar em uma terça de outubro, repercutindo imediatamente entre os telespectadores após uma cena de estupro.

Parte do burburinho se referiu à trilha escolhida para a cena de abuso entre os personagens vividos pelos atores Bianca Bin e Sérgio Guizé.

Com a cena, a faixa "Triste, Louca ou Má", da banda Francisco, el Hombre, materializava o semblante feminista que já desenhava desde seu lançamento, um ano antes.

"Que um homem não te define/ Sua casa não te define/ Sua carne não te define/ Você é seu próprio lar", diz a letra de Juliana Strassacapa, única mulher da banda.

Divulgação
A banda francisco, el hombre, cuja canção teve alta de buscas após ser reproduzida em novela
A banda francisco, el hombre, cuja canção teve alta de buscas após ser reproduzida em novela

A canção chamou atenção para uma seleção que inclui obras de artistas alheios ao pódio da MPB, recordista das trilhas globais. Estão lá "Weird Fishes/Arpeggi", de Radiohead, e "K.O.", de Pabllo Vittar, além da gravação caseira de "Boomerang Blues", do álbum póstumo de seu autor, Renato Russo –esta, faixa de abertura da novela.

"Já foi o tempo de tocar o hit do momento, pois a dramaturgia fica um pouco refém do que ele está dizendo", diz Mauro Mendonça Filho, diretor artístico de "O Outro Lado do Paraíso" e responsável pela seleção musical da novela.

"Não fiz uma trilha que tivesse essa sofrência [de ícones do "feminejo", como Maiara e Maraisa e Marília Mendonça] o tempo todo, embora isso faça parte do contexto de hoje", diz Mendonça Filho.

O diretor explica que buscou o "diálogo entre a sonoridade do sul dos EUA e a do interior do Brasil", apesar de não se limitar a essa ideia, e evidencia a inclusão de bandas como Lynyrd Skynyrd e Alabama Shakes.

Ele atribui ao cineasta americano Quentin Tarantino um modo afetivo de seleção musical, que diz seguir.

Para Mendonça Filho, "a música de uma dramaturgia pode ser ampla, criar um arquétipo da população".

De acordo com o jornalista Guilherme Bryan, a diversidade na seleção musical das novelas sempre esteve presente, segundo os gêneros em voga em cada época.

Bryan, coautor do livro "Teletema", sobre trilhas musicais de produções teledramatúrgicas brasileiras, diz que essa característica fica mais evidente conforme as seleções se tornam mais extensas.

A trilha "O Outro Lado do Paraíso", por exemplo, tem 30 faixas, além de temas instrumentais gravados pelo compositor e produtor musical JP Mendonça, irmão de Mendonça Filho, em São Petersburgo, na Rússia.

"Mas isso não se reflete no vídeo, infelizmente", diz Bryan. "As novelas recentes, em geral, padecem pela imensa quantidade de núcleos, personagens e temas a tratar, daí falta tempo para as longas cenas musicais que mais pareciam videoclipes."

Trilhas Sonoras - Distribuição anual de gêneros musicais nas novelas globais das 21h desde 2012, em %

VITRINE

Segundo Bryan, as trilhas de novelas já exerceram maior influência sobre a formação do gosto musical dos telespectadores no passado.

"Elas eram campeãs de vendas e, de certo modo, pautavam o que tocaria no rádio e em outros programas da televisão. Na década de 1980, era difícil uma música estar entre as dez mais tocadas do ano e não estar na trilha de uma novela", diz.

Ele exemplifica citando os fenômenos da discoteca, a partir das Frenéticas na trilha de "Dancin' Days"; do BRock, marcado pela Blitz em "Sol de Verão"; da lambada, cravada na abertura de "Rainha da Sucata"; e do sertanejo, presente em "Tieta", "Barriga de Aluguel" e "O Rei do Gado".

Ainda que hoje as trilhas sejam, diz Bryan, "apenas mais uma vitrine, como o videoclipe", a aparição no horário nobre do principal canal de TV do Brasil pode significar uma ampliação de público, especialmente para artistas da cena independente, como é o caso da banda Francisco, el Hombre.

Segundo levantamento da Playax, startup que monitora e analisa dados de consumo de música, a procura por "Triste, Louca ou Má" no Shazam (aplicativo usado para identificar músicas desconhecidas do usuário) mais do que dobrou na semana seguinte à primeira reprodução da faixa na novela.

A repercussão estaria fazendo com que a banda superasse o nicho da cena alternativa, diz um de seus integrantes, Sebastián Piracés-Ugarte. "É uma urgência, querendo ou não a cena alternativa é muito classe média, não é nossa vontade manter esse nicho", diz.

"É ótimo tê-la sendo transmitida para uma gama enorme de pessoas, porque a gente acredita que o principal propósito da arte é comunicar, e a novela acaba chegando em cantinhos do Brasil que a gente não alcançaria com as nossas mãos. É um privilégio ter a nossa voz amplificada", diz Juliana Strassacapa.

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RANKING por aparições em trilhas de novelas das 21h desde 2011


Caetano Veloso, Roberto Carlos e Zeca Pagodinho (7 APARIÇÕES)


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