Folha de S. Paulo


Confinamento prevalece em temas da quarta temporada de 'Black Mirror'

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Imagine um futuro em que uma mãe pode instalar uma sonda na cabeça do filho para, assim, acompanhar, em uma tela portátil, seus passos e batimentos cardíacos, sendo inclusive capaz de ver o que os olhos da cria estão vendo em tempo real.

Se as invenções tecnológicas retratadas em "Black Mirror" -série que chega a sua quarta temporada nesta sexta (29) na Netflix e que traz entre seus seis episódios a situação acima-forem tratadas como meras alegorias, sobram distúrbios que não dependem de prospecções.

Já tem sido comum ouvir a frase "Isso é muito Black Mirror" por aí, associando fenômenos sociais e desequilíbrios comportamentais crônicos à revolução tecnológica.

Quando pais monitoram seus filhos com o uso de celulares, "isso é muito Black Mirror". Quando um grupo de internautas, em ação conjunta, derruba a avaliação de uma instituição no Facebook, pode apostar, isso também "é muito Black Mirror".

A obra que o britânico Charlie Brooker criou e estreou em 2011, com episódios autônomos e que podem ser vistos fora de sequência, revela uma lista de medos contemporâneos, intuídos como partes de uma distopia em progresso. Esta reportagem se propôs a fazer um levantamento capítulo a capítulo.

O medo da morte, mais antigo que a própria humanidade, é evidenciado em ao menos oito narrativas do conjunto. Perda de identidade, alienação e vigilância localizam a série no século 21. Linchamento e humilhação pública aparecem esporádicos, mas estão lá, em histórias fortes.

A nova temporada joga foco em um pesadelo entre tantos, o de sentir-se vigiado. Além de "Arcanjo", a história da mãe que usa implante na filha para monitorá-la (a direção é de Jodie Foster), há "Enforque o DJ", sobre um programa de relacionamento.

Nesse episódio, dois protagonistas, um homem e uma mulher, diversificam seus parceiros de acordo com o que determina uma espécie de oráculo. Eles carregam consigo um aparelho que cabe na mão. Essa ferramenta os permite escolher um pretendente em um menu.

No primeiro encontro, o par deve acionar um botão para saber quanto tempo o relacionamento vai durar. Podem ser algumas horas, podem ser anos.

CONFINAMENTO

Por que obedecer à ordem de um sistema digital, mesmo quando as partes não se suportam? Tudo neste episódio gira em torno da falta de sentido que a própria automação provoca. A sensação se escora não só em um incidente ilógico, mas em uma teia de regras absurdas capaz de levar ao confinamento.

Esse é um pavor constante, que atravessa episódios de todas as temporadas: tornar-se refém de uma inteligência programada. E "Metalhead" talvez retrate essa sensação de maneira muito simples, sem viajar demais. Nele, uma mulher é caçada por cães-robôs, durante uma missão de natureza militar. Ela só tem uma coisa a fazer: correr.

"Museu Negro" e "USS Callister" levam a noção de confinamento a pontos extremos. O primeiro traz a imagem forte de mentes aprisionadas fora de seus corpos de origem. E o segundo tem personagens presos em um videogame comandado por um nerd viciado em ficção científica.

"Crocodilo" repete um outro tipo de medo, o de estar sujeito à punição (moral e legal). É um medo já visto no vertiginoso "Manda Quem Pode", sobre jovem que é chantageado por causa de um vídeo em que aparece se masturbando.

Em "Crocodilo", a protagonista é uma mulher. Ela ajuda a ocultar o cadáver de um ciclista atropelado pelo namorado. Passam-se os anos, mas o fato permanece latente. Uma hora ele vem à tona, e ela já tem uma família e uma carreira sólida a zelar.

Nos dois casos, o medo de que uma ação no passado determine um castigo severo transforma o personagem em uma espécie de máquina mortífera, que age por impulso, sem que lhe seja dada a oportunidade de pesar as consequências de suas ações.

NA TV
Black Mirror
Onde a partir desta sex. (29), na Netflix


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