Folha de S. Paulo


Peça em Londres tenta transformar vida de Karl Marx em pastelão

Querem dar carne e osso a Karl Marx. O filósofo petrificado em livros de história como grande sábio barbudo está no teatro como um jovem fanfarrão, bem mais atento a bebedeiras e rabos de saia do que à escrita de "O Capital".

Na montagem de estreia da The Bridge, casa de espetáculos que abriu as portas em Londres há dois meses, Rory Kinnear vive uma versão jovem do pensador. Marx ali é menos monumental e mais malandro, sempre fugindo da polícia, cambaleando de bar em bar e traindo a mulher com sua empregada em casa.

Nicholas Hytner, o diretor, busca nas brechas da história todos os fiapos de humor que engrandece no palco, um cenário giratório talhado para retratar o Soho londrino de meados do século 19, onde Marx viveu como refugiado e escreveu o que viria a se tornar uma bíblia da economia.

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August Diehl como Marx em
August Diehl como Marx em "O Jovem Karl Marx" (2017), de Raoul Peck

Mas suas teorias estão em último plano na trama. Marx e seu braço direito intelectual, Friedrich Engels, vivido na peça por um charmoso Oliver Chris, gastam mais tempo em mesas de boteco fantasiando sobre mulheres do que pensando sobre o sofrimento de um proletariado massacrado.

Os telhados e as chaminés de uma Londres fuliginosa, aliás, são menos um pano de fundo das agruras de quem lutava contra uma Revolução Industrial inclemente e mais um percurso de obstáculos para as estripulias de Kinnear, que passa grande parte do espetáculo saltitando e rolando de um lado para o outro.

No fundo, a experiência londrina de Marx acaba se tornando uma sitcom feita para o teatro. Em Nova York, onde a peça filmada foi exibida em cinemas, o espetáculo arrancou gargalhadas dos americanos, que seguiam a deixa dos risos já gravados.

Mas depende um tanto da boa vontade do público. Se não é enfadonho, "Young Marx" patina ao tentar transformar a história do filósofo numa comédia pastelão. Tudo fica só meio engraçado e acaba fazendo dessa biografia romanceada algo mais próximo de uma caricatura abobalhada e um tanto rasa.

Os momentos sérios, que retratam a penúria de Marx, surgem como quebras no enredo, lembranças de que nem tudo foi hilário na vida do pensador do socialismo. Mas, a julgar pelo texto de Richard Bean e Clive Coleman, a parte triste da trama talvez não vendesse ingressos suficientes para render algum lucro.


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