Folha de S. Paulo


Zuza Homem de Mello analisa reflexos do samba-canção na MPB em livro

Néstor J. Beremblum - 30.dez.2013/Brazil Photo Press/Folhapress
A praia de Copacabana,a partir de onde se expandiu o samba-canção
A praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, a partir de onde se expandiu o samba-canção

Durante os 15 anos em que escreveu o recém-lançado "Copacabana", Zuza Homem de Mello, 84, produziu mais três livros: "Música na Veias" (2007), "Eis Aqui os Bossa-nova" (2008) e "Música com Z" (2014), além de revisar e ampliar os dois volumes de "A Canção no Tempo" (2015), escrito com Jairo Severiano.

"Texto tem que ser burilado. Há quem escreva de primeira, e sai tudo perfeito. Não é o meu caso. Meus primeiros textos são geralmente uma grande merda", diz à Folha o jornalista, escritor e musicólogo paulistano.

Escrevendo "Copacabana", o autor diz ter produzido vários textos iniciais ruins, e afirma que teve a "veleidade" de guardar alguns.

"Depois, olhei pra eles e pensei: 'Para que estou guardando isso se não serve pra nada?' É um retrato da minha incompetência, porra!", diz Zuza, que se considera um entendedor de música, e não um jornalista ou escritor.

No princípio deste ano, o entendedor passou dez dias nos Estados Unidos gravando o documentário, "Zuza, Homem de Jazz".

"A música instrumental é o setor que mais evolui entre todos na música brasileira, e o jazz é o grande responsável por isso. No documentário, conto essa história, além da minha", detalha o protagonista do filme dirigido por Janaina Dalri, que deve estrear no Canal Curta, em 2018.

É outro gênero seminal, porém, que Zuza aborda no novo livro, que tem o subtítulo "A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958)".

Copacabana - A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958)
Zuza Homem de Mello
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Considerado brega e apelidado de "música de dor de cotovelo", ele faz, para Zuza, "a transição para a modernidade da música brasileira, pois traz uma transformação sob o aspecto poético, rítmico, harmônico e melódico".

"Além disso, foi com o samba-canção que surgiram as duas primeiras compositoras brasileiras: Dolores Duran e Maysa", frisa.

"Antes, os compositores eram apenas homens, portanto as letras que abordavam relações amorosas fracassadas eram escritas apenas sob o ponto de vista masculino. Faltava o ponto de vista delicado e feminino."

RARIDADES

Para escrever a obra, ele revisitou, várias vezes, sua coleção de 10 mil discos.

Entre os LPs e discos de 78 rotações divididos entre MPB e jazz, há raridades, como o primeiro LP de Elizeth Cardoso e o disco gravado em 1931, de Elisa Coelho (1909-2001), mãe do jornalista, produtor e apresentador de TV Goulart de Andrade (1933-2016).

Na rara bolacha de Elisa Coelho está a primeira gravação de "No Rancho Fundo", samba-canção de Lamartine Babo (1904-1963) e Ary Barroso (1903-1964).

"Esse disco herdei de minha avó, que tinha uma ótima coleção. É a melhor gravação dessa música, é emocionante como a Elisa Coelho compreendeu o conteúdo da letra e da canção", conta.

E, adiciona, com um lamento: "Ela era notável; infelizmente nunca a conheci. Sempre falava para o Goulart que queria conhecer a mãe dele, mas fomos postergando e nunca aconteceu".

Sabendo que as palavras não bastam para falar de música, Zuza elaborou playlists das melhores gravações de sambas-canção, disponíveis nos serviços Spotify, Apple Music e YouTube.

Playlist com as melhores gravações de sambas-canção no livro

Portanto "Copacabana" é um livro para ser lido e ouvido.

O autor explica:"Usei isso como uma isca. Há momentos, no livro, em que descrevo uma música, ponto a ponto, o que acontece nela. Quando o cara lê, ele fala: 'Mas eu preciso ouvir isso!' Aí, ele cai na minha armadilha, que é a playlist".

Assim, diz o escritor, vai-se "lendo, ouvindo e compreendendo a música, além de ter o grande prazer de constatar que aquilo tudo que está escrito acontece de fato".

Questionado sobre se livros como "Copacabana" davam dinheiro, Zuza responde: "Escrever livro para dar dinheiro só o Paulo Coelho. É como compor música. Se o compositor pensa em ficar rico, ele diminui se afasta cada vez mais da arte."

*

A TRILHA DO LIVRO
Autor sugere faixas para cada capítulo

'Um Paulistano no Rio'
'Sábado em Copacabana', de Dorival Caymmi (1914-2008), gravada por Lúcio Alves (1927-1993)

'A Praia'
'Copacabana', de João de Barro (1929-2006) e Alberto Ribeiro (1902-1971), primeira música gravada por Dick Farney (1921-1987) em português

'O Teatro de Revista'
'Na Batucada da Vida', de Ary Barroso (1903-1964) e Luís Peixoto (1889-1973), na gravação de Elis Regina (1945-1982)

'As Vozes das Rádios'
'Duas Contas', de Garoto (1915-1955), música gravada por Trio Surdina

'Os Cassinos'
'Boneca de Piche', de Ary Barroso e Luiz Iglesias, na gravação de Carmem Miranda (1909-1955)

'O Tema, o Disco, o Cantor'
'Ponto Final', de José Maria de Abreu (1911-1966) e Jair Amorim (1915-1993), gravada por Dick Farney

'Os Cafajestes'
'Zum-Zum', de Paulo Soledade (1919-1999) e Fernando Lobo (1915-1996), música gravada por Dalva de Oliveira (1917-1972)

'Os Presidentes'
'O Bonde de São Januário', de Wilson Baptista (1913-1968) e Ataulfo Alves (1909-1969), na gravação de Ciro Monteiro (1913-1973)

'O Sambolero'
"Sabor a Mí", de Alvaro Carrillo (1921-1969), gravada por Lucho Gatica

'O Café Society'
'Vingança', de Lupicínio Rodrigues (1914-1974), na gravação de Linda Batista (1919-1988)

'O Mineiro Carioca, o Baiano Carioca, o Paraense Carioca, os Pernambucanos Cariocas e os Cariocas da Gema'
'O Mundo é um Moinho', de Cartola (1908-1980), na gravação do próprio

'As Damas e as Divas'
"Fim de Caso", de Dolores Duran (1930-1959), na gravação da própria compositora

'O Refúgio Barato dos Fracassados no Amor"
'Ela Disse-me Assim', de Lupicínio Rodrigues, gravada por Jamelão (1913-2008)

'Os Modernistas'
'Outra Vez', de Tom Jobim (1927-1994), gravada por Dick Farney


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