Folha de S. Paulo


'Vai Malandra', novo clipe de Anitta, divide opiniões no Morro do Vidigal

A viagem de mototáxi da base até o topo do Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, sai por R$ 5. No caminho para a subida, estão o bar com mesa de bilhar –e sua oferta combinada de refresco e coxinha por R$ 3,50– e a faixa em homenagem cristã ("Ergo a bandeira da vitória em nome de Jesus", diz a frase). No alto, a laje de um hotel é rodeada por uma das mais belas vistas da capital fluminense.

O cenário da comunidade carioca repercute internacionalmente desde segunda-feira (18), quando o clipe de "Vai Malandra", novo hit de Anitta, ambientado no local, foi lançado como desfecho do projeto "CheckMate". Trata-se do último dos quatro videoclipes que a cantora lançou desde setembro.

O vídeo, que quebrou recordes no streaming e já somava mais de 35 milhões de visualizações no YouTube até a conclusão desta edição, levantou debates sobre apropriação cultural e objetificação do corpo feminino.
Nada com que Anitta não tivesse lidado antes, a não ser pela escolha pelo fotógrafo americano Terry Richardson, acusado de assédio sexual, para a direção do clipe.

Blindada por uma equipe de assessores e munida com a justificativa de uma agenda comprometida –a cantora tinha 12 shows agendados para este mês, fora ações promocionais e a administração da carreira –, Anitta desvia de entrevistas questionadoras e limita-se a interagir com seu público via redes sociais.

A forma como as comunidades são retratadas pela indústria cultural apenas tangencia moradores do Vidigal, acostumados com visitas de ilustres como Naiara Azevedo e Ivete Sangalo, que movimentam o turismo local.

"É uma ficção, você tem que pensar no que isso trouxe, que foi o olhar internacional para dentro de uma favela no Rio" diz Ana Lima, 41, guia local da Trilha Dois Irmãos, que faz excursões pela comunidade.

A faixa virou nome de um baile funk comandado por MCs mulheres na laje do hotel Mirante do Arvrão, onde a cenas do clipe foram gravadas.

É lá também que, nos dias de folga do Bar da Laje, Rodrigo Motta, 26, busca wi-fi para interagir nas redes –desde que atuou no clipe besuntando mulheres com bronzeador, o barman ganhou mais de 20 mil seguidores no Instagram.

PROJETO XEQUE-MATE/CHECKMATE - Número de visualizações, em milhões

Visualizações por país - Em milhões

"Num momento em que você tem um monte de funk ostentação, muitas vezes as pessoas que moram aqui podem sonhar com aquilo, mas não veem a sua realidade ali. O cara quando chega aqui anda de mototáxi, a menina veste C&A [marca patrocinadora de 'CheckMate']", diz Daniel Graziane, 35, sócio do hotel.

Para ele, ainda que o clipe não retrate o todo, uma parte da favela é representada. "A menina de trancinha não se vê na novela, mas se vê na Anitta, isso vale muito."

A representante comercial Dailene Oliveira, 36, possui marquinha de biquíni destacada, mas nega usar a técnica de fita isolante criada por Érika Bronze. "Mando fazer meus biquínis todos iguais."

Ela diz que não viu o clipe, mas comenta cenas, figurinos e críticas. "Tenho noção de que é ficção, mas nem todo mundo tem, as pessoas acham que está vulgarizando o lugar em que a gente mora."

O mototáxi Luís Fernando, 31, afirma que a visibilidade tem sido boa para os negócios, mas expõe ressalvas.

"Foi um pouco vulgar. A pessoa que é evangélica vai ver um cara de sunga dentro da comunidade, alguém de biquíni com aquele bundão pra fora, vai ficar sem graça", diz ele, que é evangélico. "Ajuda [o turismo], mas aumenta muita coisa, como o aluguel."

Vai Malandra


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