Folha de S. Paulo


crítica

Com genialidade, HQ japonesa traduz a poesia do passeio a pé

Stephane de Sakutin/AFP
(FILES) This file photo taken on January 26, 2015 shows Japanese cartoonist Jiro Taniguchi posing at the Louvre museum in Paris. Japanese manga legend Jiro Taniguchi died at 69 on February 11, 2017. Taniguchi was the creator of more than 40 mangas including The Walking Man and A Distant Neighborhood. / AFP PHOTO / STEPHANE DE SAKUTIN ORG XMIT: SDS09
O autor de mangás Jiro Taniguchi

O HOMEM QUE PASSEIA (ótimo)
AUTOR Jiro Taniguchi
TRADUTOR Arnaldo Oka
EDITORA Devir
PREÇO R$ 55 (244 págs.)

*

Jiro Taniguchi teve carreira de mais de 40 anos no quadrinho japonês. Entre histórias policiais, de aventura, ficção histórica e até eróticas, ficou mais conhecido no ocidente por HQs contemplativas e delicadas, que remetem aos aspectos da placidez e da ponderação na cultura japonesa.

"O Homem que Passeia" é a epítome dessa fase e desses temas na sua obra. Produzida no início dos anos 1990, a sequência de contos ganha sua primeira edição nacional sincronizada, por coincidência ou não, com a morte do autor em fevereiro, aos 69.

O prefácio brasileiro por Hermano Vianna faz uma comparação certeira entre as pequenas histórias e os haicais. Como a tradição da forma poética, os episódios geralmente exaltam um aspecto da natureza e têm uma quebra, abrupta, em que a narrativa muitas vezes se fecha.

O personagem inominado de Taniguchi não caminha por exercício e anda sem meta. Pode ser uma caminhada voltando do trabalho. Um passeio pela montanha ou pelo centro comercial. Ele nunca corre ou usa traje de esportista. Muitas vezes está com seu terno de "sarariman".

A caminhada pode ter um propósito, como levar o cachorro para passear. Faz parte das caminhada parar quando bem se entende –para subir numa árvore e admirar o poente, para tomar água da torneira, para ler um livro.

No episódio de maior "ação", nosso personagem depara-se com outro caminhante e os dois entram em uma disputa de velocidade. Ao fim, resolvem caminhar juntos. É um dos episódios totalmente sem palavras.

LINHA CLARA

Depois de vários prêmios no Japão e na Europa, Taniguchi foi alçado a Cavaleiro das Ordem das Artes e das Letras da França em 2011. Um dos motivos do encanto pelo japonês era seu traço, herdeiro da "linha clara" –limpas e quase sem sombra.

O Homem Que Passeia
Jiro Taniguchi
l
Comprar

Embora o homem passeante de Taniguchi não tenha as aventuras de um Tintim, as histórias são elementares e o traço é um descanso para os olhos. Mesmo quando o desenho vira quase científico, o contraste entre geométrico e orgânico se mantém simplista, delicada.

A edição brasileira inclui histórias do autor que não fazem parte do ciclo original de "O Homem que Passeia", mas que têm alguma relação com o tema da caminhada. O mais notável nessas é a mudança do traço e temas mais complexos, como a infidelidade e o sobrenatural.

Ao final da edição, em entrevista, Taniguchi diz que não tem "uma filosofia específica da caminhada". Tenha ou não uma filosofia, o japonês foi genial em transmitir a poesia do passeio a pé.


Endereço da página:

Links no texto: