Folha de S. Paulo


Quase surdo, herói do bandolim Joel Nascimento lança 'disco-reportagem'

Marília Figueirêdo/Divulgação
O bandolinista Joel Nascimento
O bandolinista Joel Nascimento

Jacob do Bandolim (1918-1969) transformou o instrumento em sobrenome artístico e se tornou medida para todos que o sucederam. Hamilton de Holanda é, aos 41 anos, o maior bandolinista da atualidade e caminha para ser o maior de todos os tempos.

Entre os dois há um elo fundamental: Joel Nascimento. O carioca assumiu o instrumento quando já tinha 31 anos, casualmente pouco antes da morte de Jacob.

Sem planejar, ocupou o lugar central do mestre –que mal conheceu, mas a quem considera sua grande referência. E ampliou as possibilidades do bandolim.

Essa trajetória é resumida em "Joel Nascimento - Som, Estilo e Improviso", um "disco-reportagem" que marca os 80 anos do músico, completados em outubro passado.

A produção é do cavaquinista Henrique Cazes, que reuniu gravações de 1970 até hoje, algumas inéditas em disco, outras pouco conhecidas.

"Joel aproveitou do Jacob os elementos relacionados à interpretação. Tinha muita admiração pelos caprichos das frases musicais", ressalta Cazes. "Ele sempre teve um pé no choro e um no clássico. Tocou Vivaldi, Villa-Lobos, Piazzolla. Abriu novos caminhos para o instrumento."

Joel nasceu e vive até hoje no bairro da Penha Circular, subúrbio do Rio com muitos músicos de choro, como os da família Carrilho (Altamiro e outros). Mas ele queria mesmo é ser pianista de concerto.

Estudou quatro anos no Conservatório Brasileiro de Música. Os planos foram interrompidos pela otosclerose, doença que causa perda progressiva de audição. Ficou sem ouvir do lado direito. Hoje tem 20% de audição no esquerdo.

"Sempre tive motivação, como mostra a superação da surdez. Toco com aparelhos sem perceber parte dos agudos", diz Joel, por e-mail.

Ao se adaptar ao bandolim, manteve-se na música. Com só cinco anos de instrumento, procurou Radamés Gnattali (1906-1988) para estudar a complexa suíte "Retratos", que o maestro compôs em 1964 pensando em Jacob.

Nasceu uma profunda amizade. Gnattali dedicou seis criações a Joel, incluindo um "Concerto para Bandolim e Cordas". E preparou "Retratos" para ele tocar com a Camerata Carioca, da qual Cazes fazia parte. "Joel toca colorido, os outros tocam em preto e branco", dizia Gnattali.

"A grande sonoridade do piano me levou a um som diferente. O piano será sempre o instrumento da minha paixão. O bandolim faz parte do meu corpo", afirma Joel.

De volta aos palcos por conta do disco, ele até pensa em retomar oficinas para jovens. Foi numa dessas, em 1997, que conheceu em Brasília Hamilton de Holanda, a quem chama de "gênio".

"Foi a época em que o Hamilton deu o grande pulo. E o encontro com Joel teve seu papel nisso", diz Cazes.

Para ter fonte de renda, Joel virou técnico em radiologia nos anos 1960. Foi nomeado no Instituto Médico Legal, onde lidava com cadáveres e casos graves. "Foram momentos de grande impacto. Certa vez fui levado para fazer o exame do sargento da bomba do Riocentro", recorda.

Integra o disco, por exemplo, "Apelo" (Baden Powell e Vinicius de Moraes), faixa do primeiro –e bem-sucedido– disco solo de Joel, "Chorando pelos Dedos" (1976).

O CD acaba com gravação de julho: "Gotas de Ouro" (Ernesto Nazareth) com o jovem violonista João Camarero.

"O volume precisa ser um pouco mais alto, mas o som que caracteriza o Joel está intacto", atesta Cazes.

JOEL NASCIMENTO - SOM, ESTILO E IMPROVISO
ARTISTA Joel Nascimento
GRAVADORA independente
QUANTO R$ 25 + frete (no site henriquecazes.com.br)


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