Folha de S. Paulo


Conto 'Cat Person' gera debate sobre relacionamentos, poder e tecnologia

Arquivo Pessoal
Kristen Roupenian, autora do conto 'Cat Person', que viralizou após publicação na 'New Yorker
Kristen Roupenian, autora do conto 'Cat Person', que viralizou após publicação na 'New Yorker'

Hoje em dia, quando um conto causa sensação, o interesse pode ser visto em tempo real. A autora Kristen Roupenian, 36, tinha menos de 200 seguidores em uma rede social antes que seu conto "Cat Person" (gateiro, em tradução livre) fosse publicado pela revista "New Yorker" no último dia 11. Agora tem quase 7.500.

O texto se tornou tema de debate em redes sociais e na grande mídia de um modo que a ficção raramente consegue. Em "Cat Person", Margot e Robert começam a construir um relacionamento via mensagens de texto e terminam por ir a algo parecido com um encontro.

O texto aborda encontros, poder e consentimento. "É uma boa metáfora da época. Parece que quanto mais caprichamos na performance digital, posamos para selfies, desenhamos milimetricamente nossos 'profiles' sociais, menos sabemos lidar com as existências de carne e osso", escreveu Antonio Prata, colunista da Folha.

Roupenian recebe bolsa literária da Universidade de Michigan, onde fez mestrado. Escreve há cinco anos, e trabalha em um romance e uma coleção de contos –esta recebeu a oferta de US$ 1 milhão de uma editora.

The New York Times - Você disse que o conto havia sido inspirado em um encontro desagradável online. Quanto tempo demorou para escrevê-lo?

Kristen Roupenian - Escrevi o conto logo depois do encontro e concluí meu primeiro rascunho em alguns dias.

Os temas da história –sexo, gênero, poder e consentimento– eram coisas sobre as quais vinha pensando, e tentando escrever, há anos... Não é autobiográfica, ainda que muitos detalhes e notas emocionais tenham se acumulado por décadas, não resultam de um único mau encontro.

Muitos escritores têm dificuldade para incluir mensagens de texto (e celulares) em suas histórias. Foi um desafio?

Minha preocupação era não ser entediante. É difícil encaixar mensagens de texto porque não é fácil construir uma cena em torno de alguém que está sentado sozinho e olhando para o telefone. Por isso introduzi personagens secundários.

O que, no contato entre Robert e Margot, é único da tecnologia moderna?

Conduzir os estágios iniciais de um flerte via mensagem de texto nos permite controlar ainda mais aquilo de nós que apresentamos aos outros, e nos dá espaço para imaginar que tipo de pessoa existe na outra ponta da conversa. Nem sempre o que imaginamos se prova acurado. Mas a dinâmica de gênero, a incerteza, o medo antecedem a tecnologia.

O que Margot deseja quando ela imagina o rapaz com quem poderia compartilhar a história desse encontro? Por que decide que "um garoto como esse não existe, e nunca vai existir"?

É uma ironia dos relacionamentos heterossexuais que você busque um parceiro que experimentou o mundo de modo muito diferente, e cuja história romântica e sexual seja muito diferente da sua?

Essa é uma dor que muitas mulheres sentiram agudamente, em especial no último ano, quando aquelas horríveis experiências compartilhadas se tornaram parte do debate público. Elas tentam falar dessas experiências com seus parceiros, mas não conseguem. É um sentimento de isolamento, para as duas pessoas envolvidas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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