Folha de S. Paulo


Detentas estudam para virar atrizes em penitenciária no interior de SP

Tatiane Rodrigues Ferreira, 31, conta que era um 'bicho do mato' quando chegou à Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto, no interior paulista. Com a cara fechada e de poucas palavras, não estava ali para fazer amigos.

"Não dava nem 'bom dia' para as pessoas", lembra a detenta, presa por roubo.

Três anos e nove meses depois, ela afirma que se tornou outra pessoa. Falante e extrovertida, agradece emocionada às oficinas de teatro do professor Magno Bucci pela mudança. As aulas são realizadas semanalmente, dentro da cadeia.

"O curso abriu minha mente. Aprendi a conversar e hoje gosto muito de ler", diz a aluna-atriz, que integra o grupo Mulheres de Atenas.

Formado atualmente por quatro detentas em regime semiaberto, o grupo faz parte do projeto de ressocialização 'Teatro em Presídio', coordenado por Magno há 11 anos na penitenciária.

Neste ano, Tatiana e as colegas do Mulheres de Atenas se apresentaram pela primeira vez fora da prisão.

Aberta ao público, a peça 'Mas que Vejo Eu Aí... Que Quadro D'Amarguras!", criada pelo próprio grupo, foi encenada em junho no palco do Teatro Santarosa, em bairro nobre de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.

"Foi um voto de confiança que nos deram. As pessoas foram acolhedoras e conseguimos passar uma imagem diferente para o público. Uma quebra de preconceito", diz Aline Aparecida Lemos, 26 anos, presa por tráfico.

Aline diz que, antes das aulas, sofria de depressão, mas que sentiu o humor mudar após os primeiros ensaios.

"Parei até com a medicação. É como uma válvula de escape. A gente percebe que pode ser uma pessoa melhor", diz Aline. A exemplo de Tatiane, ela também sonha em seguir contracenando fora das grades.

"Nunca tinha pisado em um palco antes e nunca pensei que teria uma oportunidade dessas. De repente, tudo saiu perfeito", lembra Gisele Rodrigues, 34, que cumpre pena por roubo. "Realmente, a arte transforma."

VOLUNTÁRIO

O professor afirma que decidiu criar as aulas após assistir a um concurso de Miss Penitenciária na TV.

"Fiquei provocando minha cabeça, tentando projetar como a coisa que sei fazer, teatro, poderia colaborar com aquela população."

Magno se dirigiu à cadeia para oferecer o curso de forma voluntária. Como a direção do local buscava justamente atividades alternativas para cuidar das internas, a ideia foi aceita.

Magno, que também tem um projeto parecido na penitenciária masculina de Serra Azul, cidade vizinha a Ribeirão Preto, afirma que, por lei, aulas de teatro não podem ser utilizadas para diminuir pena. Isso comprova, ele diz, que as alunas estão ali por prazer e dedicação.

"Quero mostrar ao Estado que é possível pensar em políticas públicas que incluam não apenas a arte, mas um conceito novo, capaz de auxiliar os procedimentos de ressocialização", afirma.

Juliana Santiago, diretora-geral da penitenciária, diz que o projeto proporciona às detentas a oportunidade de mostrar o quanto são talentosas e dedicadas. "Ajuda a torná-las mais esperançosas quanto ao seu retorno à sociedade".


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