Folha de S. Paulo


Com a idade, mulheres dão mais importância ao lazer que homens

Pesquisa Datafolha confirma algo que pesquisadores já apontavam: mulheres com mais idade dão mais importância ao lazer que os homens. Entre elas, 37% dizem que o lazer é muito importante, contra 34% dos homens.

A diferença parece pequena nos números, mas fica visível em aulas de dança, ginástica, oficinas de arte ou passeios. A participação maior das mulheres reflete um otimismo feminino mais forte com as mudanças na sociedade, segundo Guita Grin Debert, professora de antropologia da Unicamp que estuda o envelhecimento.

VIDA BOA
Idade e cultura
A artista plástica Sônia Gomes, 69, trabalha em obra que vai expor na Bienal do Mercosul

"No passado, aos 40 anos a mulher já era considerada velha e vivia como velha. Hoje, pode sair, ter amizades e se ver livre de padrões."

O mesmo fenômeno apareceu na pesquisa de Maria Lúcia Olivetti Borini, especialista em saúde pública, e Fernanda Aparecida Cintra, professora de enfermagem também da Unicamp.

Em estudo para verificar se os idosos tentavam negar o envelhecimento ao frequentar grupos de terceira idade, elas identificaram que os atuais idosos tiveram uma juventude menos independente.

As mulheres não tiveram autonomia nem liberdade para exercer papéis sociais que não fossem domésticos. Os homens, por sua vez, viveram outro tipo de restrição: o de serem os responsáveis pelo sustento da família.

Costuma ir -

Nas últimas décadas, porém, passaram a ser mais enfatizados os ganhos que a velhice traz, e não as perdas.

Segundo Debert, livres das obrigações do trabalho e do cuidado com os filhos, os mais velhos "podem repensar suas vidas, experimentar novas identidades".

"A terceira idade não tem a ver com a idade cronológica, mas com o incentivo ao lazer, ao interesse de criar novos conhecimentos. É um momento em que o indivíduo passa a ter o direito de redefinir seus projetos."

AGORA É MINHA VEZ

Os próprios programas criados para a "melhor idade", segundo ela, reforçaram a ideia de que essa é uma fase positiva, em que se pode "curtir" a vida.

"Quando se vai ficando mais velho, pensamos assim: 'Ora, eu já fiz muito do que a cultura e a sociedade me exigiram, agora é minha vez' ", diz o psicanalista e médico Francisco Daudt, 69.

"Quanto menos se tem a perder, mais liberdade para fazer o que se quer. Se a pessoa foi previdente para escapar do pior dos castigos –ser velho pobre–, sobram-lhe tempo e dinheiro para cuidar mais de si."

Daudt ressalta que "fazer o que se quer" e dedicar-se ao lazer não quer dizer necessariamente frequentar espetáculos –até porque vários dos produtos culturais e sociais estão acessíveis hoje em sua própria sala.

Se a TV doméstica funciona como um "cinema de 60 polegadas", sair de casa para ver um filme pode ficar caro, "nem tanto de dinheiro, mas de aporrinhação, trânsito, insegurança pública, estacionamento, tempo perdido", diz Daudt.

Vale o mesmo para danceterias e bailes, na opinião do psicanalista.

"Qualquer pessoa que passou dos 40 quer morrer antes de ir a esses lugares."

Daudt afirma que, à medida que a idade avança, as pessoas ganham sabedoria, "enquanto o interesse erótico ou decai, ou fica mais especializado e pessoal", dispensando a obrigatoriedade de sair à rua.

RECUPERANDO O ATRASO

"Suponha que você tenha interesse em arranjar parceiros sexuais. Ora, um [aplicativo] Tinder ou um Happn dão de dez em matéria de 'one night stand' sobre qualquer atividade da 'night'."

Já a preferência pelos restaurantes entre os que têm mais de 60 anos, diz ele, tem sua lógica: "Se você chamar alguém para ir à sua casa, quando ficar chato, você não pode ir embora. O restaurante ganha na competição com a casa".

Borini e Cintra relatam em sua pesquisa que as atividades de lazer têm também um caráter de "busca do tempo perdido".

Os mais velhos veem a chance de desenvolver novas habilidades ou retomar projetos de vida.

Para as mulheres, há ainda o caráter de "voltar ao mundo", já que muitas passaram a vida dentro de casa, sem contato social que não o da própria família.

As pesquisadoras dizem que para alguns idosos a relação com as atividades de lazer é tão intensa que eles adquirem algo próximo de uma "dependência", como se elas fossem "um remédio que mantém o envelhecimento sob controle".

Na pesquisa Datafolha, a importância atribuída ao lazer em sua vida levou média 4,2 (numa escala de 1 a 5) entre os com mais de 60 anos.

À frente de dinheiro, casamento, sexo e beleza.


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