Folha de S. Paulo


Em versão de Mahler, japonês Yoshi Oida busca beleza em cortejo fúnebre

Lenise Pinheiro/Folhapress
Cena do filme 'Bixa Travesty' do Festival de Berlim
Atores Toshi Tanaka (esq.) e Masami Ganev em ensaio de "A Canção da Terra" no Sesc Pinheiros

Japonês radicado na Europa há quase 50 anos, Yoshi Oida fez boa parte de sua carreira de ator e diretor em terras estrangeiras. Destacou-se em especial por sua atuação na companhia do diretor Peter Brook, na França, mas também em trabalhos com cineastas como Peter Greenaway ("O Livro de Cabeceira") e Martin Scorsese ("Silêncio").

"Vivo há todos esses anos na Europa, mas ainda sou muito japonês", diz à Folha Oida, hoje aos 84 anos, o sotaque nipônico carregado, a postura miúda e serena.

Essa mescla de universos o encenador leva à sua versão operística de "A Canção da Terra", sinfonia para vozes do compositor austríaco Gustav Mahler (1860-1911).

A obra, que já teve montagem de Oida na França, há 15 anos, ganha mais uma direção do japonês, com récitas a partir deste sábado (16) em São Paulo. A produção tem novas concepções cênicas e de figurino e mescla artistas brasileiros, europeus e japoneses.

Um dos últimos trabalhos do austríaco, "A Canção da Terra" foi composto após um período de percalços na vida de Mahler. Em 1907, ele havia perdido a filha mais velha, então com três anos, e descoberto uma doença congênita no seu coração. O músico, que era judeu, ainda acabara forçado a renunciar do cargo de diretor da Ópera Estatal de Viena após uma campanha antissemita.

Acabou encontrando alento em "Die Chinesische Flöte" (a flauta chinesa), versão do alemão Hans Bethge para poemas clássicos orientais, repletos de menções à beleza da natureza e à ideia de transitoriedade da vida.

Lenise Pinheiro/Folhapress
Cena do filme 'Bixa Travesty' do Festival de Berlim
Yoshi Oida em meio ao cenário de "A Canção da Terra" no palco do Sesc Pinheiros

Oida utiliza em sua montagem a versão de câmara feita por Schönberg para a composição de Mahler, com regência da maestrina Érica Hindrikson, que comanda a Ensemble Instituto Fukuda.

E apresenta a sinfonia a partir de uma narrativa bem estruturada. Dentro de uma floresta alemã, surge um templo budista. É ali que uma mulher chora a morte da jovem filha e reencontra após anos o pai da garota, com quem divide o luto.

"O mundo é repleto de violência, terrorismo e morte. Mas esse é o ciclo da vida", comenta o diretor, que busca em sua montagem um olhar otimista sobre a efemeridade. "Quero que o público fique renovado, em paz".

"Não é uma visão pessimista, mas de que somos parte da natureza. E a natureza está sempre florescendo e também levando as coisas embora."

As referências orientais, segundo Oida, são mais embebidas da composição original de Mahler do que da origem japonesa do encenador.

"Eu não costumo pensar em Oriente e Ocidente, mas em mostrar o que é do ser humano. A cultura é uma coisa local, mas aquilo que fazemos e sentimos, isso é humano."

Para a mãe que vela a filha, contudo, ele procurou uma intérprete oriental –aqui, o papel fica a cargo da soprano japonesa Massani Ganev. "Como é ela quem fala sobre as ideias de natureza e reencarnação, achei que isso caberia mais numa voz asiática."

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A CANÇÃO DA TERRA
QUANDO sáb. (16), ter. (19) e qua. (20), às 21h, dom. (17), às 18h; e de 5 a 14/1/2018, sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h
ONDE Sesc Pinheiros - teatro Paulo Autran, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
QUANTO R$ 18 a R$ 60
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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