Folha de S. Paulo


Falta de transparência sobre repasse levou à condenação de Bernardo Paz

Claudio Belli/Valor/Agência O Globo
Data: 25/08/2016Editoria: CulturaReporter: Marcos de Moura e SouzaLocal: INHOTIM, Minas Gerais Setor: ArtePauta: Entrevista com Bernardo Paz, idealizador de Inhotim, e com a curadora Marta MestrePersonagem: Bernardo Paz, idealizador de InhotimTags: Arte, artes, curadoria, galeria, galerias, museu, artistas Foto Claudio Belli / Valor Econômico / Agência O Globo ORG XMIT: 1428737 DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
O empresário e mecenas Bernardo de Mello Paz

Um problema de transparência, não de propina ou desvio de verba, está na origem da condenação por lavagem de dinheiro do empresário Bernardo de Mello Paz, 67, criador de Inhotim, museu de arte contemporânea em Brumadinho (MG), cidade a 57 km de Belo Horizonte.

Sua condenação em primeira instância, sentenciada em setembro pela juíza federal Camila Franco e Silva Velano, repercutiu no mundo das artes e lançou dúvidas sobre o futuro de Inhotim.

Um dos maiores mecenas do país, Paz diz ter investido nos últimos 18 anos cerca de R$ 150 milhões em recursos próprios. O dinheiro, obtido de suas empresas de mineração, foi usado para erguer 23 galerias de arte e jardins com 4.500 espécies e adquirir 1.300 obras de arte para Inhotim.

O museu-jardim de 140 hectares atraiu, em dez anos de existência, quase 2,7 milhões de visitantes. Em 2011, Paz foi o único brasileiro a aparecer na lista das cem pessoas mais poderosas nas artes da revista inglesa "Art Review".

Condenado a nove anos de prisão, afastou-se do comando do museu e recorre da sentença em liberdade.

A batalha de comunicação da instituição tem sido por demonstrar a colaboradores, parceiros e opinião pública que as dúvidas sobre as finanças de Paz não contaminam as contas de Inhotim.

Em 2008, o museu foi transformado em uma organização não governamental do tipo Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), com contas dissociadas das empresas de Paz.

Segundo documentos aos quais a Folha teve acesso, a história da condenação começou em 2010, quando o Coaf, o órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda, comunicou à Polícia Federal e à Procuradoria dez transferências, feitas entre 2006 e 2008, de um fundo de investimento nas Ilhas Cayman.

Os recursos saíram do fundo Flamingo Investment para a conta da Horizontes, empresa de Paz que foi, nos últimos anos, a principal financiadora de Inhotim. Em 2016, bancou 50% dos custos de R$ 40 milhões do museu, segundo a assessoria do instituto.

As transferências, registradas como empréstimos, somaram US$ 98 milhões em três anos. O Coaf notificou a saída dos recursos. Paz usou o dinheiro para comprar ao menos 20 imóveis, entre casas, fazendas e lotes em Brumadinho, três apartamentos no Rio e uma casa de R$ 2,3 milhões em Nova Lima (região metropolitana de Belo Horizonte).

A Horizontes também transferiu cerca de R$ 23 milhões para uma conta cujo proprietário não foi identificado pela PF. Além disso, o empresário repassou recursos da Horizontes para outras empresas do seu grupo de mineração.

O Coaf notou uma disparidade entre o capital social da Horizontes e o dinheiro que transitou em suas contas. Em 2007, a Horizontes declarou receitas de R$ 57 mil, mas movimentou R$ 74 milhões.

No decorrer do inquérito, a PF chamou Paz para um depoimento, mas ele se recusou a dar esclarecimentos. Meses depois, foi indiciado pela PF.

"Eu indaguei qual a finalidade real do empréstimo, qual o destino dos recursos, quais eram os cotistas que integravam o Flamingo, quais os registros contábeis. Ele preferiu permanecer em silêncio. Eu o indiciei porque ele não comprovou a origem do patrimônio e das transferências", afirmou à Folha o delegado da PF Renato Sarquis.

Para ele, a explicação sobre o dono do dinheiro poderia eliminar as suspeitas. A principal dúvida, não confirmada, era que o dinheiro pertencia a Paz, que teria utilizado o "sistema de empréstimos" de Cayman para pagar menos imposto. Essa hipótese depois foi rechaçada pelo empresário.

OUTRO LADO

O indiciamento da PF moldou o desenrolar de todo o caso. No ano seguinte, Paz foi denunciado pelo Ministério Público Federal. Três anos depois, em 2015, em interrogatório em Belo Horizonte, Paz apresentou à juíza uma explicação sobre o dinheiro.

O Flamingo, disse, era um fundo que pertencia "ao sexto maior banco da Suíça", e os valores pertenciam a "americanos e europeus que não querem aparecer", representados por um procurador de identidade fornecida à Justiça.

Os US$ 98 milhões, disse, vão custear "um projeto de vida pós-contemporâneo" no entorno de Inhotim, com quatro hotéis, centro de convenções, anfiteatro, "5.000 casas de 2.000 m² cada lote, totalmente autossustentável, e um projeto para 3.000 casas simples".

Paz diz ter retirado US$ 20 milhões do fundo para pagar dívidas. O investimento seria recuperado com a venda dos terrenos e a instalação do projeto. Mas as explicações não convenceram a Justiça.

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ENTENDA O CASO
As suspeitas sobre Bernardo Paz

2002

Paz cria o Instituto Cultural Inhotim. Ele funda a empresa Horizontes Ltda., a fim de repassar doações para a manutenção do instituto

GRUPO ITAMINAS

Diversas empresas de mineração de Paz injetam recursos na Horizontes

Em dez anos, a estimativa do empresário é que tenha injetado mais de R$ 150 milhões no projeto, incluindo obras de arte cedidas em comodato

2006

Inhotim é aberto para visitação pública. Desde então, cerca de 2,7 milhões de pessoas visitaram o local

2006 a 2008

Um fundo de investimento nas lhas Cayman, chamado Flamingo, faz transferências no valor total de US$ 98 milhões para a Horizontes

Parte dos recursos foi usada para quitação de dívidas de outras empresas do Grupo Itaminas e aquisição de imóveis

2008

Inhotim se torna uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público)

2012

Paz permanece em silêncio ao depor à PF. Ele é indiciado sob suspeita de lavagem de dinheiro

2013

Ministério Público Federal denuncia Paz, sua irmã Eugênia e outras pessoas

2015

Paz é interrogado pela Justiça Federal e nega ter cometido qualquer crime

Afirma que o dono da Flamingo era "o sexto maior banco da Suíça", e os recursos seriam investimento para um empreendimento hoteleiro e uma vila em Inhotim

2017

A juíza federal Camila Velano condena Paz a nove anos de reclusão por lavagem; o empresário recorre


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