Folha de S. Paulo


Harvey Weinstein criou teia de silêncio para calar denúncias de assédio sexual

Yann Coatsaliou - 23.mai.2017/AFP
O produtor Harvey Weinstein
O produtor Harvey Weinstein

Harvey Weinstein construiu sua máquina de cumplicidade usando pessoas que sabiam, pessoas que não sabiam e pessoas que não sabiam que sabiam. Comandou conspiradores, silenciadores e espiões, e disse a quem descobria seus segredos que não deveria revelá-los. Cortejou aqueles cujo dinheiro ou prestígio podiam ser usados para elevar sua reputação e seu poder de intimidar.

Antes das revelações, em outubro, sobre seus metódicos abusos contra mulheres, Weinstein puxou todas as alavancas de seu aparato cuidadosamente construído.

O produtor de cinema recolhia munição com a ajuda da revista "National Enquirer", que instruía seus repórteres a buscar informações que pudessem comprometer os acusadores de Weinstein.

Recorreu a velhos aliados, pedindo a um sócio da agência de talentos Creative Artists Agency (CAA) para intermediar uma conversa com o jornalista Ronan Farrow, que investigava Weinstein.

Em um esforço para impedir a atriz Rose McGowan de relatar em um livro de memórias que ele a havia atacado sexualmente, Weinstein tentou pagar US$ 50 mil à antiga empresária da atriz e oferecer negócios a uma agente literária que orientava McGowan.

A rodada final, e frustrada, de manipulações de Weinstein demonstra que ele operou por mais de três décadas tentando fazer dos outros um instrumento e um escudo de seu comportamento, segundo mais de 200 entrevistas, documentos empresariais e e-mails que só agora vieram à luz.

Algumas pessoas ajudaram suas ações sem perceberem o que ele estava fazendo. Outras sabiam, ou perceberam indícios, ainda que poucos compreendessem a escala de seus desvios de conduta. Agora, enquanto o cômputo dos supostos delitos de Weinstein ainda está em curso, surge também um debate sobre o fracasso coletivo daqueles que não o controlaram, e sobre a quem cabe a culpa.

INTIMIDADOS

Os executivos das companhias de Weinstein que foram informados das acusações raramente se posicionaram, intimidados pelo patrão ou preocupados com suas carreiras.

Bob, irmão e sócio de Weinstein, participou de pagamentos para silenciar mulheres, iniciados já nos anos 1990. Alguns assistentes de escalão mais baixo compilavam "bíblias", nas quais havia dicas sobre como facilitar encontros com mulheres, e tinham a tarefa de obter injeções penianas para tratar a disfunção erétil do chefe.

Advogados do produtor faziam acordos que impediam a busca da verdade. "Se você fecha um acordo rapidamente, não há necessidade de apurar todos os fatos", disse Daniel Petrocelli, advogado que intermediou dois acordos entre Weinstein e acusadoras.

Agentes e empresários de Hollywood enviavam as atrizes que representam para encontros com ele em hotéis e as aconselhavam a manter o silêncio quando as coisas saíam errado. "Isso é só Harvey sendo Harvey", disse mais de um agente a suas clientes.

Na CAA, ao menos oito agentes foram informados de que Weinstein assediara ou ameaçara clientes, mas continuaram a organizar encontros privados entre o produtor e atrizes. Mesmo Nick Wechsler, agente que confrontou Weinstein sobre McGowan, sentiu que deveria manter o relacionamento de negócios. "Às vezes, Weinstein era o único jogo na cidade", disse.

IMPRENSA

Weinstein evitou o escrutínio da imprensa com uma mistura de ameaças e recompensas. Seduzia repórteres ao lhes oferecer acesso a astros. Alguns jornalistas negociaram contratos para livros e filmes com ele enquanto tinham a missão de cobri-lo.

O produtor certa vez pagou um repórter de fofocas para recolher informações suculentas sobre celebridades. A ideia oferecer os dados em troca do silêncio de jornalistas.

A proximidade entre Weinstein e Daniel Pecker, o presidente-executivo da American Media, que controla o "National Enquirer", era tanta que o produtor se tornou conhecido no mundo dos jornais sensacionalistas como um dos "FOP", os intocáveis "friends of Pecker" [amigos de Pecker], um status que cabe a poucos, entre os quais o presidente Donald Trump.

O grupo Disney, um reino de entretenimento, controla rigidamente as operações de suas unidades, mas permitiu aos irmãos Weinstein que dirigissem seu estúdio, o Miramax, com virtual autonomia pelos 12 anos em que trabalharam para a companhia.

Além de um histórico impressionante de estatuetas do Oscar, Weinstein legou à Disney acordos extrajudiciais e acusações de desvios de conduta sexual acumulados durante seu comando da Miramax. A Disney afirma que não estava ciente de seus supostos abusos, mas é acusada em um processo de que "sabia, deveria ter sabido ou deliberadamente não quis saber".

Weinstein, 65, está sob investigação pela polícia e pela Justiça em três cidades. Ainda que tenha admitido que seu comportamento "causou muita dor", os advogados dele negam que tenha cometido agressões sexuais. A porta-voz de Weinstein negou as acusações de comportamento inapropriado que esta reportagem menciona, dizendo que as lembranças do produtor sobre os encontros citados diferem das de suas acusadoras.

POLÍTICA

Weinstein sempre foi um mestre no uso de influência e intimidação, e usou seus filmes para criar relacionamentos também na política.

"Conheço o presidente dos Estados Unidos. Quem você conhece?" Weinstein, que arrecadava verbas de campanha para o Partido Democrata, costumava usar essa frase, muitas vezes acompanhada por palavrões, durante a Presidência de Barack Obama. "Sou Harvey Weinstein", ele costumava dizer. "Vocês sabem o que posso fazer."

No final de setembro, mostram e-mails, ele estava discutindo um documentário para TV no qual trabalhava com Hillary Clinton. Ele arrecadou dinheiro para a campanha dela por muito tempo –a jornalista Tina Brown e a roteirista Lena Dunham disserem, porém, que alertaram assessores de Hillary sobre o comportamento do produtor.

Em setembro, Weinstein discutia a distribuição do documentário. "Espero que consigamos um bom preço para o programa", escreveu Robert Barnett, advogado de Hillary.

Dois dias depois, Jeff Bezos, fundador e presidente-executivo da Amazon, interrompeu suas férias no Havaí para pedir conselho a Weinstein, de acordo com e-mails.

O "Wall Street Journal" publicou reportagens sobre problemas na Amazon Studios, parceira de Weinstein. O produtor recomendou resposta agressiva, que envolveria um advogado que "força todo mundo a manter a narrativa certa", escreveu Weinstein. Bezos se recusou a comentar.

Ainda que o produtor soubesse que havia jornalistas investigando seu comportamento, ele o teria repetido no Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro. Lá convidou ao seu quarto de hotel duas mulheres (que não quiseram ter seus nomes divulgados) e teria feito propostas impróprias em troca de auxílio nas carreiras delas. Weinstein define esse relato como "bobagem".

Ele ainda pressionava seus associados, dizendo usaria contra eles detalhes embaraçosos de seus passados.

Minutos antes de o "New York Times" publicar as primeiras acusações sobre Weinstein, em outubro, ele telefonou aos repórteres. Alternando lisonjas e ameaças, disse que tinha como descobrir quem havia cooperado com a investigação e que tinha maneiras de bloqueá-la. "Sou um homem de grandes recursos", ele advertiu. (MEGAN TWOHEY, JODI KANTOR, SUSAN DOMINUS, JIM RUT)


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