Folha de S. Paulo


Análise

Versolato foi 'desperdiçado' pela montanha-russa do mercado

São raríssimos os estilistas brasileiros que conseguiram espaço no cenário internacional e, além disso, transferiram para as roupas propostas uniformes, ainda que mal recebidas pela crítica ou pelos clientes, sem as mudanças bruscas de seis em seis meses criadas para movimentar o mercado.

"[Ocimar Versolato, morto na sexta-feira]":http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/12/1942042-morre-o-estilista-ocimar-versolato-aos-56-anos.shtml(8), em São Paulo, após sofrer um aneurisma cerebral, foi desses estilistas que não fazia concessões. A passagem pela Lanvin, embora esquecida na biografia da marca, fez do Brasil um nome a ser olhado com atenção.

Ao lado de Francisco Costa, ex-Calvin Klein, Pedro Lourenço, ex-La Perla, e Gustavo Lins —que angariou fama nas semanas de alta-costura da França—, ele foi o mais experiente de uma leva de estilistas reconhecidos nos anos 1990. Na mesma época, surgiram rebeldes como Alexandre Herchcovitch e Ronaldo Fraga, quebrando a constante de cópias do estilo europeu até então vinculadas à criação local.

Crítico ácido do que chamava de "breguice" dos estilistas brasileiros, muitas vezes suas declarações resvalavam no próprio complexo de inferioridade que apontava em seus colegas, a quem chamava de "copiadores".

Em entrevista à Folha, em 2009, quando se preparava para lançar uma linha de beleza após suas malfadadas incursões no varejo de moda, definiu parte dos estilistas nacionais como "caipiras", ainda que, a bem da verdade, sua moda não se distanciasse tanto da europeia.

A tesoura clássica do estilista, tido pela mídia especializada como o mais técnico dessa safra de designers, conquistou a clientela francesa e atrizes como Sonia Braga, uma de suas musas —e a quem vestiu para o filme "Tieta" (1996), de Cacá Diegues.

Toda a geração de modelos brasileiras com projeção internacional passaram pela passarela de Versolato, entre elas Shirley Mallmann, uma das primeiras supermodelos brasileiras, Marina Dias e Fernanda Tavares. Na lista também esteve a atriz Betty Lago (1955-2015), cuja presença em um desfile de 1995 marcou o retorno da ex-modelo aos desfiles.

As cartelas enxutas, o uso comedido de assimetrias e silhuetas esguias bem definidas na cintura e no busto, pontuaram boa parte de seu legado para a história da costura brasileira.

Foi também um dos primeiros designers a abrir uma segunda linha, mais casual, dentro de sua grife homonima. A O.V. Sport satisfazia um público que não podia pagar as dezenas de milhares de reais num vestido de festa assinado por ele, mas que podia gastar centenas em uma calça jeans. No início dos 2000, as crifras eram bem acima da média para o mercado balançado por crises e mudanças de planos econômicos, fatores que restringiram sua moda à elite entorpecida com a então recente abertura das importações.

O tíquete médio da roupa de Versolato concorria, no Brasil, com o das etiquetas internacionais. A expressão "o que vem de fora é melhor", usada por ele para definir o complexo de viralatismo brasileiro, acabou afetando os lucros de suas suntuosas lojas no Rio e em São Paulo.

O desejo de criar liberto de pressões e o espírito inquieto foram a dádiva e a desgraça de Versolato. Belas roupas precisam de vitrine, e ele não conseguiu seguir com os negócios por falta de tato comercial e pelos problemas judiciais com os ex-sócios no país, virando outro triste exemplo brasileiro de "gênio criativo" desperdiçado pela montanha-russa do mercado de moda nacional.


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