Folha de S. Paulo


CRÍTICA

'Corpo Delito' acha distância justa entre câmera e personagem

Divulgação
Cena do filme 'Corpo Delito', dirigido por Pedro Rocha
Cena do filme 'Corpo Delito', dirigido por Pedro Rocha

CORPO DELITO (bom)
DIREÇÃO Pedro Rocha
ELENCO Ivan Silva, José Neto, Gleiciane Gomes
PRODUÇÃO Brasil, 2016, 16 anos
QUANDO estreia nesta quinta (7)
Veja salas e horários de exibição

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Em sua sequência inicial, "Corpo Delito" exibe um sóbrio e paciente registro dos gestos de homens que montam pequenas peças plásticas, parafusos e outros objetos intrigantes, provavelmente componentes de tomadas.

O primeiro longa-metragem do cearense Pedro Rocha começa, conforme nos indicam os uniformes dos filmados, em uma "Fábrica-Escola".

Num registro que flerta com o cinema direto e com as estratégias do documentário de observação, empregadas por cineastas como Frederick Wiseman e Raymond Depardon, assistimos, em seguida, à conversa entre a psicóloga da entidade e um dos detentos em regime semi-aberto que trabalham ali.

Ele, Ivan (Ivan Silva), diz que não suporta o cotidiano controlado: da fábrica para casa, de casa para a fábrica. Cedo ou tarde vai se livrar da tornozeleira eletrônica que o monitora noite e dia.

Ela pergunta se se trata de impaciência ou de rebeldia, e explica que, ao final do período de liberdade condicional, ele poderá circular à vontade.

Com poucos cortes, a montagem intensifica a lentidão das intermináveis conversas jogadas fora entre Ivan e os amigos, no quintal ou na cozinha.

Em um plano fixo e longo, vemos o protagonista deitado na frente da televisão, ladeado pela mulher, Gleiciane, e a filha, Glenda.

As imagens da TV não são mostradas; nenhum contracampo surge para aliviar a monotonia da cena. Tais escolhas de realização logram traduzir algo da tensão e do tédio presentes nessa peculiar situação de confinamento.

MOMENTO DE REVIRAVOLTA

Mas "Corpo Delito" não é só um documentário de observação. Com roteiro de Diego Hoefel, o filme tem uma estrutura precisa.

Comporta, evidentemente, um momento de reviravolta. O fim de ano se aproxima. Festas, música e cerveja gelada dominam os assuntos e a paisagem.

Há a pelada noturna na praia, sob a vigilância dos espigões da orla de Fortaleza. Há corpos que dançam em frente aos botecos da vizinhança, na Favela dos Índios.

Será que Ivan vai conseguir passar a meia-noite em casa?

A câmera guarda dos personagens, e do protagonista em especial, distância justa: nem exposição excessiva de sua intimidade nem julgamentos moralizantes.

Numa cena que parece citar o passeio do pequeno Edmund pelas ruínas de um edifício bombardeado em "Alemanha, Ano Zero" (Roberto Rossellini, 1947), a fotografia precisa de Juliane Peixoto e Guilherme Silva enquadra os amigos de Ivan a explorar os espaços de um prédio em construção que envelhece antes mesmo de ficar pronto.

Do alto, olham o horizonte: arranha-céus de um lado, casinhas de outro. Apontam seus celulares para fotografar, na mais autêntica banalidade contemporânea.

A sensação que sobrevém, no entanto, é a de corpos que não encontram inserção no tecido urbano, oscilando entre o ser observado e o observar.

Assista ao trailer de "Corpo Delito"

Assista ao trailer de "Corpo Delito"


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