Folha de S. Paulo


Crítica

'Cromossomo 21' é um panfleto envolto em tirada ultrarromântica

Divulgação
Adriele Lopes Pelentir em cena do filme
Adriele Lopes Pelentir em cena do filme "Cromossomo 21"

COMOSSOMO 21 (REGULAR)
DIREÇÃO Alex Duarte
ELENCO Adriele Pelentir, Luís Fernando Irgang e Marisol Ribeiro
PRODUÇÃO Brasil, 2017, 10 anos
Veja salas e horários de exibição.

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"Cromossomo 21" é regular, o que não o impede de ser um belo achado. Ninguém consegue desprezar a sinceridade do filme de Alex Duarte.

Essa carga positiva, no entanto, é de cunho político. "Cromossomo 21" é obviamente um panfleto, embrulhado com tiradas ultrarromânticas.

Em certos momentos, parecem lições kardecistas —estratégia que, por sinal, faz parte do imaginário brasileiro: no cinema foi cristalizada em "Nosso Lar" (2010). Diálogos bondosos versus mão pesada no extremo oposto. Afonso é rico e puro (Luís Fernando Irgang), praticamente um lorde de Barbara Cartland. Já a mãe é pusilânime e agride sua namorada, Vitória.

Trailer

A moça é interpretada por Adriele Lopes Pelentir, que possui síndrome de Down —e assim dá origem ao título do filme. Caminhando pela rua, Vitória salva Afonso de um atropelamento. Ponto inteligente do roteiro, também de Duarte. Inverte-se o jogo: o deficiente como o forte da relação.

Afonso, dito "normal", apaixona-se por Vitória e ela por ele. Em poucos minutos, percebemos a proposta de se fazer um tour no cotidiano da garota. Família, amigos, despedida de solteira, casamento, trabalho, desejo sexual. Junto com essa tranquilidade vem a falta de profundeza. Cenas ingênuas, transições mal costuradas, personagens unidimensionais —à exceção de Vitória, que tanto pode ser doce quanto se revoltar, em um momento de angústia.

"Cromossomo 21" surgiu com a amizade de Adriele e Alex Duarte, então repórter de jornal no Rio Grande do Sul. Nos méritos inclui-se a proposta independente, no peito e na raça —como, aliás, boa parte do cinema popular, que grassou (e ainda grassa) no Brasil.

A câmera acompanha Adriele minuto após minuto. Foco imenso, como há tempos não se via, desde "Colegas" (2013), de Marcelo Galvão, estrelado por atores com deficiência. No recente "O Filho Eterno" (2016), o jovem deficiente é um aliado e não o eixo central, voltado para o processo de paternidade.

"Cromossomo 21" ajuda a superar os rótulos do vitimismo e merece ser visto. É preciso, agora, burilar a forma e dar sustança a projetos semelhantes. Sem chapa branca —como as personagens negam-se a ser no filme—, é necessário fusionar a vontade com a arte: um combo que faz do cinema algo tão particular.


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