Folha de S. Paulo


crítica

Distâncias permeiam cenas das diversas tramas de 'Yvone Kane'

Divulgação
Beatriz Batarda e Irene Ravache em cena de
Beatriz Batarda e Irene Ravache em cena de "Yvone Kane"

YVONE KANE (bom)
DIREÇÃO Margarida Cardoso
ELENCO Irene Ravache, Beatriz Batarda
PRODUÇÃO Brasil, 2014; 12 anos
QUANDO estreia nesta quinta (30)
Veja salas e horários de exibição

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Há vários assuntos em "Yvone Kane". O central é a enquete de Rita, jornalista portuguesa, sobre a morte nunca esclarecida de importante militante política da África portuguesa na época da luta pela independência (o ecos do nome Kane não são por nada).

Mas existem outros, talvez até mais importantes no filme: para começar, as distantes relações de Rita com Sara, sua mãe, também ex-militante pela independência do país africano (não nomeado, mas tudo faz crer que seja Moçambique). Ao contrário da filha, Sara continua a morar ali.

E há também a distante relação entre Sara e seu filho adotivo (um jovem negro), sinal de problemas nunca resolvidos entre brancos e negros.

Se quisermos insistir por aí, há ainda mais coisa. Por exemplo: Rita vai à África acompanhada de um homem. Pode ser marido ou namorado. Logo ele pedirá para voltar a Portugal: eles estão juntos, mas distantes um do outro.

Eis, enfim, o tema de "Yvone Kane" nomeado: a distância. Entre Portugal e suas ex-colônias, Europa e África, brancos e negros, pais e filhos, materialistas e cristãos etc. Não há quase cena, praticamente, em que esse ponto não esteja presente. Só para começar: logo que Rita chega ao aeroporto, vemos o rosto de sua mãe refletido em um vidro (aliás, é enorme a semelhança entre as atrizes Beatriz Batarda e Irene Ravache, filha e mãe –ambas por sinal muito bem no filme). Tudo será sempre assim: indireto.

O centro dessa distância, no entanto, é a luta de libertação e suas decorrências. Por que Yvone foi morta? Era mais que uma militante, na verdade: uma líder, uma dirigente. Por que a casa de Sara tinha escutas em dado momento? Por que Sara deixou de militar?

Essas questões ficam um tanto vagas e, admita-se, a enquete acaba se tornando um tanto secundária. Não é um problema, nem é daí que vêm as irregularidades do filme: nele, trata-se de lançar tramas mais do que de resolvê-las.

Os momentos frouxos do filme ocorrem esparsamente, aqui e ali, de irregularidades, talvez de um acúmulo de estilos, nunca vêm de sua estrutura. No entanto, é quase impossível não destacar a magnífica sequência do velho hotel fantasma: uma imponente construção quase em ruínas, com uma bela e enorme piscina vazia, dando para um mar vasto e deserto.

Assim como em alguns momentos envolvendo o filho adotivo de Rita, é ao cinema de Jacques Tourneur que somos remetidos quase obrigatoriamente: àquele terror de pura sugestão, àquele terror que não vem do terror, mas de outra parte. É a sequência que torna quase obrigatória a visita a este filme.

Pois ela também coloca em relevo duas outras horrendas distâncias: entre o presente e o passado (o tempo), entre ideia e realidade (a guerra de independência e suas decorrências). Na visão de Cardoso, o mundo degenera os ideais tanto quanto desfigura os seres. Há um tanto de excessivo amor ao fatalismo nessa visão. Incapaz, no entanto, de invalidar certas belezas de "Yvone".

Assista ao trailer de "Yvone Kane"

Assista ao trailer de "Yvone Kane"


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