Folha de S. Paulo


Romance retrata vazio do mundo do trabalho

Chico Cerchiaro/Divulgação
O escritor e editor Marcelo Ferroni, no escritório da Companhia das Letras no Rio
O escritor e editor Marcelo Ferroni, no escritório da Companhia das Letras no Rio

Romances às vezes parecem existir como entidades independentes, dotadas de inteligência própria. Um livro pode saber coisas que talvez nem seu autor tenha previsto –mas que, claro, foram captadas pela sensibilidade.

É possível pensar que haja algo de divinatório na ficção ao ler o novo romance do escritor e editor Marcelo Ferroni, "O Fogo na Floresta".

Paulista radicado no Rio, ele começou a escrevê-lo em 2013, às vésperas da Copa do Mundo, quando a cidade e o país viviam a grande euforia da crença em um futuro promissor –que se traduziria em um completo colapso.

A derrocada já se insinuava na história que Ferroni então escrevia. Heloísa, a protagonista, é executiva em um grande grupo editorial e acaba demitida em uma "reestruturação" –precisa então vencer o tédio e encontrar um rumo para a vida, enquanto alimenta um caso extraconjugal.

O tom de tédio dessa vida, do casamento morno que deu a Heloísa um filho que ela trata de forma negligente, é reforçado pelo diálogo que a escrita de Ferroni faz com a autoajuda corporativa.

"O livro ainda tem o resquício daquela euforia [econômica]. Falo sobre o trabalho, sobre esse Rio de Janeiro eufórico", diz Ferroni.

Heloísa vende sua parte em um imóvel recebido do pai –a quem trata com indiferença– e planeja comprar uma creche que está fechando, acreditando que é um bom investimento. O leitor já prevê que vem desastre por aí.

O romance parece conversar com um livro que o autor não leu: "Luxúria" (Record, 2015), de Fernando Bonassi, que trata do colapso do otimismo econômico entre a classe C que ascendeu. Curiosamente, o conflito do livro de Bonassi eclode quando os personagens tentam construir uma piscina em sua casa em um conjunto habitacional.

Os personagens de Ferroni, por sua vez, estão entre a classe média mais tradicional, em outro lado da mesma questão. Com eles, o autor faz um mergulho, com um olhar irônico, no mundo do trabalho –e também do trabalho precarizado.

"Refleti um pouco sobre como é a nossa vida, com a história dessa mulher sempre um pouco frustrada e que, quando consegue o que quer, fica insatisfeita. Eu via pessoas passarem pelo que ela passa [no trabalho]. Peguei a crise, conhecidos foram demitidos", diz Ferroni.

A ironia do texto se deve em boa parte às referências que faz aos manuais de empreendedorismo.

"Li muito livro de autoajuda e de negócios [para escrever] e coloquei essa linguagem embutida na fala dos personagens."

Nessa fala, estão diálogos que nunca se completam –se um personagem diz algo, o outro vai responder algo completamente diferente, sem que nunca haja conversa. Ferroni constrói, dessa forma, um ambiente de grande solidão.

"É algo dessas vidas sem objetivo, em que os dias passam sempre nesse rame-rame. É um livro que trata disso em vários sentidos, com as pessoas caminhando sem saber para onde."

O Fogo Na Floresta
Marcelo Ferroni
l
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o fogo na floresta

autor Marcelo Ferroni

editora Companhia das Letras

quanto R$ 44,90 (304 págs.)

quando lançamento ter. (28), às 18h30, no Rio, no Osbar - av. Calógeras 18A, tel. (21) 2220-7391


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