Folha de S. Paulo


Cantor Celso Sim lança disco com composições do baiano Batatinha

Carlos Batatinha/Arquivo Pessoal
Oscar da Penha, o Batatinha, gravando o disco 'Diplomacia'
Oscar da Penha, o Batatinha, gravando o disco 'Diplomacia'

Quem conhece a obra de Oscar da Penha, o Batatinha (1924-1997), não consegue se afastar mais dela.

Foi assim com Maria Bethânia, que interpreta músicas do compositor baiano desde o início dos anos 1960. E o mesmo se deu com o cantor paulistano Celso Sim.

Ele, que incluiu criações de Batatinha em trabalhos anteriores, agora lança um disco dedicado a esse repertório.

A ideia original previa apenas shows, como os realizados neste ano na Casa de Francisca e no Sesc Ipiranga. Mas ampliou-se para "O Amor Entrou Como um Raio", com 11 faixas gravadas em apenas um mês.

"Não é um disco de raiz, tradicional. Nem sei o que é isso. Não tem nenhum tipo de reverência", afirma Sim, que também descartou adotar uma linha "samba sujo", com interferências roqueiras, como as presentes em "A Mulher do Fim do Mundo", o álbum de Elza Soares que ele ajudou a produzir em 2015.

"Seria levar as músicas para outro lugar. Elas são como as de Dorival Caymmi, balsâmicas, tocam em pontos nevrálgicos da alma."

Celso Sim é acompanhado de Webster Santos (violão, cavaquinho e diversos instrumentos de cordas), Filipe Massumi (cello) e Maurício Badé (percussões).

"Eu tive uma alucinação musical: juntar Webster e Filipe. Dois baianos que estudaram para ser concertistas, que são diferentes entre si, mas ambos barrocos", conta o cantor, colega frequente de José Miguel Wisnik, Arthur Nestrovski e outros, além de colaborador do Teatro Oficina desde 1994.

TRAJETÓRIA

Pessoas que conviveram com Batatinha dizem que ele era bem-humorado. Mas sua obra está cheia de versos cortantes como "Sou profissional do sofrimento" (de "Conselheiro", parceria com Paulo César Pinheiro de onde Sim tirou o verso-título do CD) e "Meu desespero ninguém vê/ Sou diplomado em matéria de sofrer" ("Diplomacia").

"O sofrimento não está só no compositor. Está nas coisas que ele vê e está nos outros", disse Batatinha no programa "Ensaio", em 1995.

Filho de doméstica e estivador nascido no centro histórico de Salvador, foi marceneiro, contínuo e gráfico, tendo trabalhado em jornais.

Cantava na noite e no rádio. Ganhou seu apelido do jornalista e compositor Antonio Maria, numa alusão ao magro cantor Vassourinha (1923-1942), cujo estilo e repertório Batatinha emulava.

Compositor pouco prolífico, tem pouco mais de 30 músicas gravadas. A cantora paulistana Adriana Moreira incluiu inéditas no disco "Direito de Sambar", que lançou em 2014 apenas com músicas de Batatinha. E há mais.

Várias estão com Gabriel Teixeira Penha, o Gabriel Batatinha, 23 anos, um dos muitos netos do sambista -que teve dez filhos.

Ele vem criando arranjos para as canções e enviando para intérpretes. Maria Rita gravou "Samba e Suingue" para seu próximo álbum.

"Criei um projeto chamado 'Bossa Capoeira' e incluí este samba e outros inéditos. Muitos falam de capoeira. O importante é que as músicas do Batata nunca parem de ser gravadas", diz ele, ressaltando as versões recentes de "Imitação" feitas por Juçara Marçal e Pedro Miranda.

O conjunto de inéditas não existiria sem os baianos J. Velloso e Paquito.

Eles produziram o disco "Diplomacia", com interpretações de Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Jussara Silveira e, na maioria das faixas, o próprio Batatinha.

O compositor morreu em janeiro de 1997, e o disco se tornou póstumo, saindo no ano seguinte. Velloso e Paquito registraram em fita cassete Batatinha cantando inéditas. Embora sem qualidade para lançamento comercial, os registros são a base do trabalho que o neto do sambista está desenvolvendo.

"Só num país em que educação e cultura têm pouco valor, Batatinha e [o artista baiano] Riachão não são reconhecidos como gênios", afirma Celso Sim, que atribui o fato ao "racismo silencioso" existente no Brasil.

O AMOR ENTROU COMO UM RAIO
ARTISTA Celso Sim
GRAVADORA Circus
QUANTO R$ 25


Endereço da página: