Folha de S. Paulo


Em SP, acervo de Nise da Silveira, mãe da psiquiatria humanizada, é exposto

A psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999) tinha clientes, não pacientes. Pioneira na humanização da psiquiatria, ela fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, no Rio.

Em 1936, durante o governo Vargas, Silveira ficou presa por um ano e meio e, como consequência, afastada da carreira até 1944, quando começou a trabalhar em um hospital psiquiátrico, localizado no bairro carioca do Engenho de Dentro.

Ao retornar, ela se deparou com métodos agressivos, como o choque, aplicados em pacientes que sofriam algum tipo de doença mental.

"Nise sentiu na pele o que era viver na cadeia e quando retornou ao hospital psiquiátrico se deparou com hospitais-prisões. As pessoas viviam por trás de grades e tinham hora para tomar sol", diz Luís Carlos Mello, atual curador do Museu do Inconsciente.

Nos anos 1940, ela encontrou na arte um meio para aqueles internados em manicômios se expressarem.

Tombado pela Unesco na última semana como memória do mundo, as obras e outros artigos –como as anotações, entrevistas e fotos– serão disponibilizados ao público na exposição no Itaú Cultural a partir do sábado (25).

Ao adotar o novo método, ela começou a se corresponder com o suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra e fundador da psicologia analítica, que desenvolveu conceitos como personalidade extro e introvertida, arquétipos e o inconsciente coletivo.

No processo de curadoria, documentos foram descobertos, como um vídeo que mostra o encontro da psiquiatra com Jung no Segundo Congresso Internacional de Psiquiatria (1957), em Zurique.

"Jung ficou fascinado com o trabalho da Nise porque ele estudava a 'cuca' de pessoas com níveis elevadíssimos de aprendizado enquanto ela estudava pessoas de pouca escolaridade", conta Mello.

A mostra conta com obras tanto dos clientes que Nise tratou, quanto dos clientes que frequentam hoje o museu.

Entre as pinturas há muitas mandalas. Segundo Gladys Schincariol, colega de profissão de Silveira que também trabalha no museu, a mandala é resposta positiva do inconsciente quando o sujeito está mais estruturado.

"Hoje, a mandala se tornou esse samba do crioulo doido que qualquer um desenha". Schincariol explica que para que para que o tratamento surta efeito, é necessário que o profissional analise os desenhos de seus "clientes".

Mulher e inovadora, não foi fácil para Silveira que psiquiatras da época aceitassem o método que ela tanto estudava. "O novo é sempre rejeitado. Ela foi uma guerreira que lutou contra uma estrutura usada no mundo", diz Mello.

Gladys diz que na sala da universidade só Silveira era mulher. "Não tinha nem banheiro feminino, mas ela não levantava bandeira porque a causa pela qual brigava era maior".

*

OCUPAÇÃO NISE DA SILVEIRA
ONDE Itaú Cultural - av. Paulista, 149
QUANDO de ter. a sex., 9h às 20h, e sáb., dom. e feriado, 11h às 20h
QUANTO grátis


Endereço da página:

Links no texto: