Folha de S. Paulo


Em SP, romancista Teju Cole analisa obra do fotógrafo italiano Luigi Ghirri

O escritor e fotógrafo Teju Cole encontra silêncio nas metrópoles mais ruidosas. Seus romances e imagens são esforços de dissecar e estruturar os elos sem nome que enredam todos os que vagam pelas cidades -o rastro indizível de fantasmas ausentes.

Nas ruas de uma cidade como Nova York, por exemplo, ele descreve uma solidão espessa que se desfaz no ar. Medos e delírios secretos parecem neutralizados pelo volume de corpos em trânsito em várias velocidades e direções.

"Toda a realidade é tão intensa e tão opressora que tento criar espaços", diz Cole, 42, um dos artistas americanos mais celebrados de sua geração. "Tento extrair as coisas da realidade por um instante, mas não de forma gritante ou sentimental. A ideia é criar espaços em que outras emoções possam ocorrer."

Esses espaços não raro tendem a lembrar cenários, construções artificiais esvaziadas de gente. São naturezas-mortas urbanas, como a vitrine de uma farmácia fechada, seus frascos de perfume alinhados atrás do vidro, guarda-corpos diante de uma cordilheira verde, cortinas brancas cobrindo a janela.

Seus romances têm o mesmo ritmo de fotonovela. Imagens um tanto estáticas avançam o rumo da trama, lembrando uma versão literária de "Sans Soleil", o curta clássico realizado nos anos 1980 pelo francês Chris Marker.

Em "Cidade Aberta", livro lançado há seis anos que alçou Cole à fama literária, seu narrador anda sem rumo por Nova York. Em Manhattan, ele lamenta o fim da loja de discos que fechou, lista a mercadoria dos ambulantes do Harlem, reconhece a falta de interesse pelos vizinhos.

"A ideia de baixar o volume para ouvir aquilo que estava lá é uma reação ao ruído, mas eu estava sendo afogado por todo o barulho ao redor."

O artista criado na Nigéria e radicado no Brooklyn nova-iorquino é convidado agora para o festival de fotografia organizado pela revista "Zum", no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, no qual discorrerá no sábado (25), às 18h, sobre o fotógrafo Luigi Ghirri, uma de suas maiores influências estéticas.

Veja a programação completa do Festival ZUM

O artista italiano, morto aos 49, há 25 anos, entrou para a história com suas imagens em cores saturadíssimas de paisagens urbanas da Europa pós-moderna.

Ele retratou playgrounds suburbanos, restaurantes de beira de estrada e seus murais kitsch, postos de gasolina, picos nevados e fundos de piscina. Era a tentativa de plasmar um retrato da classe média italiana em que hierarquias imagéticas são desafiadas -a beleza da banalidade ali esmaga o extraordinário.

Seus personagens, da mesma forma que os de Cole, também surgem menos como senhores da narrativa e mais como instrumentos na condução de um roteiro visual calculado e planejado ao extremo, a ideia de que a força da imagem está nos detalhes.

"Ele construiu muito bem suas fotografias", diz Cole. "Elas lembram pinturas, mas isso é menos porque são belas e mais pelo fato de serem muito bem arquitetadas, como um filme que é estático ou está no limite do movimento. Até seus retratos de gente lembram naturezas-mortas."

Essa tensão entre imobilidade e movimento, na visão do americano, é o que mais leva a entender a obra de Ghirri como um exercício mais próximo da literatura.

"Ele via o mundo como um escritor", afirma Cole. "Suas imagens carregam uma pressão semântica, como se buscassem um significado para além do que elas mostram."

Esse ponto intangível, em que Ghirri parece flertar com as composições de Giorgio De Chirico e outros mestres da pintura metafísica italiana, é o que Cole entende por lado "misterioso" de seu trabalho.

"Uma fotografia não é algo inocente que só registra uma cena", diz o artista americano. "É uma forma de pensamento que se torna mais explícita ainda quando trabalhamos com a escrita junto dessas imagens. Uma imagem não é algo que criamos só para descansar os olhos."

LAS VEGAS

Se o barulho de Nova York quase afogou o escritor, o silêncio que busca tem a ver também com um antídoto à violência -física e verbal. Cole, que acaba de escrever um ensaio sobre a estética das imagens de Las Vegas dias depois que um atirador matou 58 pessoas num show de música country, há um mês, lança um olhar rumo ao avesso e aos rastros amortecidos dessa tragédia.

No lugar do sangue derramado, cacos de vidro das janelas estouradas cobrem o chão. Em vez de cadáveres empilhados, sobreviventes se abraçam e flores se amontoam sobre altares improvisados. Ele notou decisões semelhantes, aliás, nos registros do recente atentado terrorista que deixou oito mortos numa ciclovia em Manhattan.

"Vivemos em tempos contundentes", afirma Cole. "Existe a tentação de pensar essa atrocidade como uma coisa única, como foi o 11 de Setembro em sua época, mas Nova York é uma cidade construída sobre ciclos de violência ao longo dos séculos, e esse último episódio que aconteceu deve ser registrado e entendido ainda pela história."

Mesmo atento à violência, Cole, que se diz um "pensador político", segue uma estratégia em nada explícita em seus trabalhos, que compara a retratar um mundo pesadelar apelando para os sonhos.

"Questões de estilo à parte, uma coisa que atravessa todo o meu trabalho é essa qualidade de devaneio", diz. "Não quero ficar só no mundo material. Quero que as coisas se pareçam com um sonho, que a obra possa beirar a interpretação dos sonhos."

FESTIVAL ZUM
QUANDO sexta (24) e sábado (25), a partir das 11h, e domingo (26), a partir das 10h30
ONDE IMS Paulista (av. Paulista, 2.424; tel. (11) 2842-9120
QUANTO grátis (senhas devem ser retiradas meia hora antes de cada debate)


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