Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Narrativa de 'Colo' se esfacela para retratar crise que atingiu Portugal

Divulgação
João Pedro Vaz e Alice Albergaria Borges em cena do filme
João Pedro Vaz e Alice Albergaria Borges em cena do filme "Colo"

COLO (muito bom)
DIREÇÃO Teresa Villaverde
ELENCO João Pedro Vaz, Alice Albergaria Borges, Beatriz Batarda
PRODUÇÃO Portugal/França, 2017, 14 anos
QUANDO estreia nesta quinta (16)
Veja salas e horários de exibição

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Um homem de meia-idade está parado na frente de um muro. De repente, ele avança para um carro que está prestes a estacionar e entra no veículo. Quem está no volante é um antigo amigo de escola, que estranha a invasão repentina e, mais ainda, o pedido de continuar guiando rumo a um lugar onde possam conversar.

A cena está no belíssimo e estranho "Colo", novo longa da diretora portuguesa Teresa Villaverde (de "Os Mutantes") e o primeiro assinado por ela a ter distribuição comercial no Brasil.

O homem que invade o carro já nos tinha sido apresentado: é o pai de Marta (Alice Albergaria Borges), a protagonista. Ele não tem nome no filme e é interpretado pelo ótimo ator João Pedro Vaz.

O outro homem era até então inexistente na narrativa. Entra de supetão e sai de cena após alguns minutos constrangedores de humilhação e apreensão. Não reaparece.

Qual o sentido dessa sequência entre amigos que termina de modo humilhante para um deles? Mostrar a derrocada existencial de um pai desempregado e sem rumo na vida? Reforçar a crescente loucura do personagem, incapaz de assimilar o beco sem saída em que se vê?

O mais interessante é que não há respostas claras no filme. E, ao mesmo tempo, ficamos com o sentimento de que as duas hipóteses são válidas.

Temos, sobretudo, um drama de personagens.

Marta, a adolescente que vive os mesmos problemas de todos os adolescentes, é a única pessoa com vida no filme, a única que pulsa, que parece querer reagir. Sua melhor amiga está grávida e, por isso, não pode voltar à casa dos pais. Está também à beira do desespero profundo.

RECESSÃO

A mãe de Marta, vivida pela também ótima atriz Beatriz Batarda, vive de subempregos na tentativa de compensar a inércia do marido. Mas em casa é pouco mais que um zumbi, a um passo do desmoronamento pelo qual o pai já passou.

Villaverde entra, assim, no meio da crise que atingiu fortemente Portugal nos últimos anos. Se desde 2016 já se fala em recuperação no país, sabe-se que os efeitos dessa recessão não irão embora tão cedo nem facilmente.

Como representar os efeitos dessa crise?

A maior virtude da diretora é colocar toda sua representação igualmente em crise. Não é que o filme não tenha uma estrutura. É que sua estrutura invoca imediatamente a autocrítica. Essa foi a maneira encontrada para representar o esfacelamento de uma família.

É por causa dessa representação estilhaçada que cenas como a descrita no início do texto cabem perfeitamente no filme e nos informam mais sobre o personagem e o mundo ao seu redor do que se houvesse uma apresentação mais convencional desse mesmo personagem.

E, apesar de essa operação ser extremamente ousada, justamente porque explicita sua própria limitação, é formidável perceber que a cinematografia portuguesa, que tantos talentos nos mostrou nos últimos anos (em que é obrigatório destacar Rita Azevedo Gomes, Pedro Costa e Manuel Mozos), ainda encontra novas maneiras de nos contar uma história.

Assista ao trailer de 'Colo'

Assista ao trailer de 'Colo'


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