Folha de S. Paulo


Crítica

Apesar de pesquisa, 'biografia familiar' de Ginzburg se repete

A FAMÍLIA MANZONI (regular)
AUTORA Natalia Ginzburg
TRADUÇÃO Homero Freitas de Andrade
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 59,90 (528 págs.)

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A Família Manzoni
Natalia Ginzburg
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Publicado originalmente em 1983, "A Família Manzoni" é uma espécie de biografia da numerosa família de Alessandro Manzoni, escritor italiano nascido em 1785.

A profundidade da pesquisa de Natalia Ginzburg (1916-1991) é espantosa. Ginzburg parte de 1762, ano do nascimento de Giulia Beccaria, matriarca dos Manzoni. A trajetória de Alessandro, filho de Giulia, foi longa e (em especial nas últimas décadas de vida) difícil. Ele sobreviveu à primeira mulher e a vários de seus filhos.

O livro é composto basicamente de trechos de cartas reproduzidos em sequência, mais ou menos como em um romance epistolar. O trabalho discreto da autora é perceptível na apuração, organização e costura do material.

Há vislumbres de episódios e momentos importantes —como o início do Risorgimento, em 1848—, mas eles estão em menor número.

O que sobressai é a textura do cotidiano de uma família remediada em uma Europa que vivia a transição do século 18 para o 19. E tome achaques, passeios, achaques, picuinhas, achaques, planos de viagem frustrados, achaques, viagens realizadas, achaques.

Divulgação
A escritora italiana Natalia Ginzburg (1916-1991)
A escritora italiana Natalia Ginzburg (1916-1991)

O resultado é um livro repetitivo. Estamos muito longe de "Caro Michele" ou "Léxico Familiar", onde o que impera é o olhar afiado e a voz poderosa de Ginzburg.

Se é possível considerar "A Família Manzoni" um romance histórico, então, descontado o domínio do tema e o cuidado na disposição dos escritos, estamos diante de um romance um tanto excessivo.

OLHAR 'FEMININO'

Causa estranheza que Salvatore Silvano Nigro diga, na introdução, que o "olhar feminino" de Ginzburg priorizou "nascimentos, noivados, casamentos, mortes" e "aspectos do cotidiano" —também aqueles associados ao corpo, sobretudo aos referidos achaques—, além de "detalhes da realidade simples, manifestações emotivas".

Não fica claro se seriam temas de menor importância nem se seria próprio das mulheres se ocupar com eles.

Nigro ainda ressalta que Alessandro Manzoni faria parte do "repertório masculino" (!) da família de Natalia, uma vez que Leone Ginzburg, seu primeiro marido, era estudioso da obra do autor.

Não são, porém, temas secundários. É curioso atribuir o interesse e o viés a um suposto "feminino", como se nada disso houvesse sido retirado do (vasto) material disponível. O efeito, aliás, é um retrato tão natural quanto acurado. Nesse sentido, o livro cumpre seu papel.

Mas, se é interessante acompanhar o cotidiano dos Manzoni, boa parte das cartas são pura repetição. Some-se isso à tímida narração de Ginzburg, e o resultado não é dos mais apetitosos.


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