Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Críticos formados no século 20 se inquirem sobre limites do ofício

Tuca Vieira/Folhapress
O professor e crítico de cinema Ismail Xavier, responsável por fechar o congresso da Socine, em foto de 2010
O pesquisador de cinema Ismail Xavier, que fez a aula encerramento do 21º Congresso da Socine

O que fazer com youtubers? Como se fará, no futuro, uma crítica das imagens em imagens?

Enquanto São Paulo abria sua Mostra Internacional de Cinema, em João Pessoa acontecia o 21º Congresso da Socine (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual), reunião em que se encontram pesquisadores universitários brasileiros de cinema.

Estamos, quase sempre, entre trabalhos de longa duração. Como neste ano o tema tratado era a crítica, a duração podia ser até bem breve.

Logo na chegada topo com Ismail Xavier, a quem caberia fazer o encerramento do congresso. Já seu olhar denunciava a surpresa: tinha acabado de assistir a uma mesa em que se apresentou um youtuber que faz humor a partir dos filmes vistos e da atitude dos espectadores diante dele. Tem mais de 1 milhão de seguidores.

A questão que ocorria a Ismail: isso pode se chamar crítica? E o espanto de nosso estudioso com maior prestígio mundial estava bem partilhado. O mundo segue seus próprios caminhos –surpreendentes, não raro, para seres cuja formação pertence ao século passado.

A questão envolve outras.

A primeira, claro: qual o limite da crítica? Mas, em seguida: qual o destino do cinema? Quais os seus limites? O problema voltou à pauta algumas vezes durante o congresso, que é uma espécie de festival, com a diferença de que lá são professores que expõem seus trabalhos mais recentes: em mais de dez salas, simultaneamente, das 9h30 às 19h.

Impossível acompanhar tudo e seria absurdo tentar destacar alguma: a Socine tem trabalhos de altíssimo nível, produzidos por doutores, doutorandos, pós-doutores.

Talvez o resumo de tudo possa se encontrar justamente na aula-encerramento de Ismail, que tentou retraçar o percurso da crítica em três etapas: a nascida do primeiro cineclubismo (personificada em Canuto); a que tem por matriz a experiência das cinematecas, a francesa em particular (de que resulta o trabalho de André Bazin); e, por fim, a crítica universitária, dita de "longa duração", em que especialistas se debruçam sobre um tema, por vezes sobre um filme apenas, durante anos.

Ela foi resumida, no caso de Xavier, na pessoa de Jay Leyda, de quem foi aluno nos EUA. Mas, até chegar a professor, Leyda teve um percurso longo, tão rico quanto pontuado por perseguições –americano, foi à URSS em 1933, trabalhou com Eisenstein, teve de sair da Rússia, da Alemanha, dos EUA, sempre por motivos políticos. Acabou na China, onde chegou em 1959 até a Revolução Cultural.

Ismail não hierarquiza as formas de crítica, nem as suas origens. Mas admite o provisório da classificação. O que fazer com youtubers, por exemplo? Como se fará, no futuro, uma crítica das imagens em imagens (o que Godard solitariamente inaugurou, diga-se de passagem)?

As transformações tecnológicas condicionam o entendimento das artes da imagem e sugerem o enigmático futuro que se anuncia. Foi nessa seara que a Socine de certa forma lançou seus participantes.


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